quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

COMO AS MULHERES SÃO TRATADAS NO IRÃ...SEM UM PINGO DE RESPEITO!!!



Diego Braga Norte

Minutos antes de se casar, a jovem Shirin comete um assassinato e aparece na sessão de fotos que precedia a cerimônia com o vestido branco maculado de sangue e uma expressão transtornada. Essas são as chocantes cenas iniciais do filme iraniano Shhh... Meninas Não Gritam, em cartaz na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A experiente diretora Pouran Derakhshandeh chega ao seu 11º longa já com uma carreira consolidada no circuito de cinemas e festivais do Oriente Médio, mas infelizmente ainda pouco conhecida no Ocidente. No entanto, este último trabalho, tem potencial para mudar essa percepção, pois o filme foi bem acolhido pela crítica e entrou em circuito comercial em países como EUA, Canadá, Alemanha, França e Grã Bretanha.
Voltando à história, Shirin vai presa pelo homicídio e aguarda seu julgamento que prevê a pena máxima, o enforcamento. Em estado de choque, ela se recusa a falar e a explicar o motivo pelo qual cometeu o crime. Sua sorte começa a mudar depois da entrada em cena de uma advogada persistente e já habituada a lidar com mulheres traumatizadas. Narrado com fragmentos de flashbacks, o enredo faz constantes pontes entre passado e presente para explicar a origem do crime de Shirin. E é aí que o tema principal do filme entra com força arrebatadora. Quando criança, a personagem fora constantemente abusada por um funcionário de seus pais, muito negligentes.
Partindo do drama pessoal da protagonista, a diretora põe o dedo na ferida de um tabu no país. Numa sociedade totalitária e extremamente machista como a iraniana, casos de pedofilia costumam ser acobertados pela própria família da vítima que preferem o silêncio à "desonra" perante à sociedade. No Irã, uma vez revelado que uma garota foi abusada, ela será rejeitada do convívio social (e até mesmo da família) e dificilmente poderá se casar, pois é considerada uma criança "suja". O grau do machismo vigente é descortinado em algumas cenas curtas, mas muito significativas. Numa delas, após sair do tribunal, a advogada que defende Shirin é abordada por uma equipe de TV e, antes de dar entrevista sobre o caso, pergunta se suas respostas serão transmitidas. Sintomático, pois no Irã as mulheres são constantemente censuradas e não aparecem na TV falando contra homens. E outra cena, o noivo arrasado por ter seu casamento destruído é reprimido por ser pai, que o insulta e diz: "Recomponha-se, homens não choram!". Aqui temos um indício de que o machismo é perpetuado de pai para filho e não apenas em relação às mulheres, mas ainda contra a sensibilidade masculina.
Com isso, filmado de uma perspectiva humanista, o enredo ganha força ao não cair na tentação de adotar um ponto de vista sexista e contar uma história não apenas com mulheres fortes, mas também com homens sensíveis ao inferno de Shirin. Outra característica que contribui com o poderoso impacto emotivo do filme é a maneira com que ele foi gravado, com muitas tomadas – sobretudo aquelas em que Shirin está em cena – registradas com uma câmera de mão, trêmula e nervosa, e abusando dos closes para mostrar a expressão dos atores. O elenco afinado e convincente contribui, as atuações de Tannaz Tabatabaei (Shirin) e de Babak Hamidian (o pedófilo) são marcantes.

Os espectadores que recentemente se surpreenderam e se encantaram com o também iranianoA Separação, de Ashgar Farhadi, certamente irão apreciar Shhh... Meninas Não Gritam. Em 2012, o filme de Farhadi conquistou importantes láureas como o Urso de Ouro em Berlim, o britânico Bafta e os americano Globo de Ouro e Oscar de melhor filme estrangeiro com o drama de uma família em que a mulher quer fugir do repressivo Irã para dar melhores condições de vida à filha, e o marido que pretende ficar pois precisa tomar conta de seu pai, que sofre de Alzheimer. Agora é a vez da Pouran Derakhshandeh mostrar ao mundo uma faceta ainda mais oculta do regime extremista dos Aiatolás, a conivência com o machismo e a pedofilia. Não é um tema de fácil digestão, tampouco matéria-prima para um filme leve. Mas a diretora teve o talento de contar uma história que se revela aos olhos do espectador de forma entrecortada, suavizando sua repulsa mas não a ponto de enfraquecer o tema, objeto de reflexão e denúncia.

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