sábado, 25 de junho de 2016

VOCÊ SABIA QUE HÁ UMA INDÚSTRIA DOS TRABALHOS UNIVERSITÁRIOS COMPRADOS?


SERIA PAGAR PARA ALGUÉM FAZÊ-LO?


A indústria dos trabalhos universitários comprados cresceu,
se profissionalizou e se globalizou. Saiba como milhares se
aproveitam dela e por que é difícil resolver esse
problema.

POR Emiliano Urbim




Oito anos depois, a jornalista ainda sorri aliviada ao lembrar da tarde em 
que deixou seu trabalho de conclusão de curso na secretaria da faculdade.
      "Não via a hora de entregar a monografia. Primeiro, foram 5 meses de
sofrimento tentando fazer aquele troço. Depois, um mês com medo de que
o cara que eu paguei para escrever não me entregasse", diz ela. 
"Nem me lembro da nota. Só queria me formar."


De lá pra cá, as coisas mudaram. Em 2001, a jornalista do parágrafo 
acima (que, por motivos óbvios, pediu anonimato) entregou sua
graduação nas mãos de um sujeito que havia posto um 
disfarçado anúncio de "digitação de monografia" -
 "e ele nem sabia as regras da ABNT", recorda
 ela. Hoje, o aluno sem escrúpulos e com
dinheiro no bolso tem a seu dispor 
dezenas de portais profissionais, 
com ofertas escancaradas 
("Delivery. Sua tese ou trabalho pronto em 96 horas") e variadas formas
 de pagamento. Além de universalizar o acesso ao serviço, a internet
também globalizou a produção: tem americanos encomendando
artigos que serão escritos por indianos.


Desde a virada do século, quando começaram a surgir denúncias contra
 esse tipo de site, o Ministério da Educação costuma reforçar que a 
responsabilidade é das faculdades, que deveriam criar ferramentas
 para detectar esse tipo de fraude. Enquanto isso, no maior site do
 setor, uma animação faz surgir uma apresentadora se gabando:
 "Desde 2000, já atendemos mais de 36 mil alunos, com
 sucesso em 97% dos casos".


Afinal, pagar para que alguém escreva seu trabalho da faculdade é 
antiético, mas não é crime. Mas, se o cliente sempre tem razão, 
o aluno não. Se um professor atento identifica um falso autor,
 a punição pode ir de uma nota 0 até uma expulsão. 
Infelizmente, poucos parecem capazes ou
 dispostos a tanto. Na verdade, ser pego
 depende principamente do aluno: há
 quem não se dê ao trabalho de ler 
o que comprou, e roda na banca
 examinadora. Aliás, aliar 
falta de escrúpulos com
 preguiça não parece
ser muito raro.




Esse tipo de pedido é comum. Afinal de contas, é de imaginar que
 alguém que compra um texto que deveria ter escrito não tem 
muito jogo de cintura para fingir ter feito um trabalho muito 
bom, ou simplesmente não está disposto a estudar para
 entender o que seu ghost-writer quis dizer. "Na 
verdade, a maioria dos clientes é simplesmente
 idiota", diz o escritor americano Nick
 Mamatas (sim, o nome é real), que 
durante anos viveu de escrever 
trabalhos acadêmicos para 
outros. "Eles não deveriam estar na faculdade. Eles precisam comprar
 trabalhos prontos porque eles basicamente não entendem o que é 
uma monografia, muito menos o que os professores pedem que 
seja feito nela", diz Nick, que ficou conhecido ao publicar na
 rede um artigo detalhando suas atividades. Segundo ele,
existem outros dois perfis secundários de clientes: bons
 alunos que, vítimas das circunstâncias, não 
conseguiram fazer algum trabalho 
específico, e estrangeiros que
 não dominam o idioma do
país em que estão e 
precisam de uma 
mão na tradução.






Para uma advogada que há dois anos faz trabalhos por encomenda no
 interior de São Paulo, o problema é maior porque o mercado acaba 
obrigando profissionais sem interesse ou talento para a pesquisa
 acadêmica a buscar um título de pós-graduado, mestre,
 doutorações. "São pessoas que não querem aprender 
nada, mas precisam daquele diploma. Para eles, 
encomendar um trabalho é driblar um
 incômodo, os fins justificam 
os meios."




Ombro amigo


"A confiança é peça fundamental das relações. Oferecemos toda a
segurança para nossos clientes. Assim sendo, estamos habilitados
 para o cumprimento e a correspondência de toda confiança
depositada em nossas mãos." Parece anúncio de banco,
 mas é de um portal de trabalhos prontos. Espertamente,
 eles se vendem como amigos ("ajudamos você a fazer
 seu sonho acontecer") e colocam os clientes como 
vítimas, que "encontram-se em um período atribulado de sua vida".


Além de um ombro amigo e do sigilo, outra característica fundamental
 oferecida pelos sites é o "certificado Google-free": caso alguém
 encasquete com o texto recebido, não vai encontrar na rede 
nada semelhante - é um trabalho original. Pagando um
extra, também se consegue um "seguro-DDD": 
aquela empresa se compromete a não vender
 aquele trabalho para universidades da 
mesma região. Ah, claro: todos 
dizem contar com um time
de especialistas.


Uma vez aceitas as condições, chega a hora de fazer o orçamento.
 A média para um trabalho de graduação antigo é R$ 4 por página,
 e um novo, customizado, fica em R$ 7. Pós, doutorado e mestrado 
são gradualmente mais caros.



ortais brasileiros já se referem a templo. Mas a situaPção mais
 curiosa é nos países de língua inglesa: assim como muitas
 fábricas deslocaram empregos para países do terceiro
 mundo, os essay mills (algo como "fábricas de artigos")
também buscaram escritores bons e baratos. A coisa
ganha um quê de máfia: o site Essay Writers tem
uma sede no Canadá, mas está no nome de um
 ucraniano e contrata redatores das Filipinas. 
"Isso já estava acontecendo antes de eu parar", 
lembra Mamatas, que largou a vida de 
"serviços estudantis" ano passado. 
"Meus ‘empresários’ reclamavam
 de indianos que 
cobravam US$ 15 por página - 
eles cobravam US$ 30
 e me davam US$ 10,
 então não tenho pena deles."




Em Calcutá, na Índia, nossa editora Larissa Santana encontrou
uma peça dessa engrenagem: Kishore Bhatt, 49 anos, membro
 da casta dos brâmanes, que tem a tradição de ler e estudar
 bastante, aprendeu em inglês desde pequeno. Acabou se 
cadastrando em um site e agora faz artigos escolares sobre
qualquer tema. Mas recebe muito menos do que Mamatas
 imagina: cerca de US$ 1 por texto. "Vasculho o site à 
procura de um assunto que eu conheça e pego aqueles
 que me interessam", diz. "Gostaria de outra coisa, 
mas, na minha idade, acho que não consigo mais nada."




Autoengano


Diante dessa máfia globalizada e escancarada, argumentos éticos
 parecem não estar fazendo efeito. Professores mais espertos já 
estão vacinados contra mecanismos de busca, mas é difícil
identificar encomendas feitas sob medida. Melhorar os
exames orais é um caminho, mas isso só pegaria os
desleixados que não leram direito o que pagaram.


Nessa situação, o aluno que busca a sensação de dever cumprido com
 o dever comprado fica se achando o malandrão. Mas pode se dar mal:
 uma graduação sem méritos pode até colocar alguém em um emprego
 bom, mas não segura a pessoa lá, principalmente se envolver o
dia-a-dia da profissão. Uma lição grátis: pagar para resolver problemas 
no presente pode compremeter o futuro

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