terça-feira, 1 de março de 2016

BLOG RELIGIÃO : "CRIA EM MIM, Ó DEUS, UM CORAÇÃO PURO!"...EXEMPLOS DE FRANCISCO.






  
Em torno da pureza do coração...




        
        Lendo Mateus escutamos o Mestre falar da cartilha da felicidade e ouvindo Francisco na sua ladainha da felicidade, mergulhamos no mais profundo da vida desse que foi designado de Cristo redivivo.
       Frequentemente nos “Escritos de São Francisco” encontramos expressões como “pureza de coração”, “pura e simplesmente”, “com uma intenção pura”, “ter o coração e espírito puros”. Para Francisco, pureza de coração é uma maneira de englobar todos os relacionamentos com Deus, com os outros, com a criação e conosco mesmo. Pureza tem tudo a vez com inteireza, transparência, frescor original e se opõe a duplicidade.
Tem necessidade de amar e de ser amado e reconhecido pelos outros. O pecado é sempre o amor ferido ou enterrado. No seio de nossos relacionamentos é que se opera a conversão evangélica que nós, franciscanos, nos propomos a viver.

Ser de relação que é, o homem, não poucas vezes, tem medo de sair de si, de encontrar os outros. Sair de si, de seu mundo familiar para colher o diferente, o estranho é risco e motivo de receio ou mesmo de medo. Medo de ver seu universo interior ou exterior ameaçado, questionado pelo outro e por sua diferença. Sair de si, de seu ambiente social, de seu universo cultural ou religioso para encontrar os outros demanda descentralização de si.

                Racismo e integrismo escondem medos mais ou menos conscientes. O desejo de união do tipo de fusão no casal ou num grupo manifesta uma diferença mal assumida. A maioria dos conflitos de relacionamento encontram suas raízes nesse medo ou na recusa da diferença.
São Francisco intuitivamente compreendeu que a única maneira de viver sadios relacionamentos, sem medo do outro, é por meio do cultivo da pureza do coração que é fruto de longa conversão.

    Ter um coração puro é, pouco a pouco, se libertar interiormente de todo desejo de “possuir” os outros, de querê-los concordando com nossas ideias e ver-se livre de toda servidão aos bens materiais. 

        O homem puro é aquele que acolhe com respeito o “Outro”, Deus e os outros sem a pretensão de colocá-los imediatamente a seu dispor. Francisco chega a este modo de ver as coisas depois de constatar que Cristo nunca procurou seu interesse próprio, mas a vontade do Pai e a profunda
 felicidade dos homens.

       Francisco que, na sua juventude, buscava a glória pessoal, em princípio não tinha um “coração puro”. Ele o conquistou no termo de um longo combate interior, sobretudo por ter feito a experiência espiritual de Deus como dom de si, fonte que faz jorrar um Amor criador e libertador. Um Amor que não concorre com minha liberdade, mas que me constrói, me estrutura, me realiza. Um Amor “soberano Bem”, que é fonte e termo de nossa verdadeira identidade.

  Pode-se dizer que, em Francisco, pureza de coração é uma variante da pobreza evangélica, que se encanta com os dons de Deus sem querer possui-los. Daí seu respeito pela criação, pelos homens em sua diversidade cultural e religiosa. Não tem medo das diferenças. Toda forma de intolerância, fanatismo, sectarismo é confissão de medo do outro, de fragilidade pessoal, falta de enraizamento naquele que é nossa fonte e nossa realização.

      Nossas sociedades ditas de consumo mostram claramente o que acontece quando o homem esquece a pureza de coração: o desrespeito pela natureza (poluição) conduz ao desrespeito pela vida (a prática da tortura, toda sorte de violência, aborto procurado) e desrespeito pelo corpo (a pornografia vulgar). Estamos aí diante de uma lógica trágica e implacável.

     Destarte, não é mero acaso que Francisco sempre associe pureza de coração e adoração: “Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus (Mt 5,8). São verdadeiramente puros de coração os que desprezam as coisas terrenas, buscam as celestes e nunca desistem de adorar e de procurar o Deus vivo e verdadeiro com o coração e a mente puros” (Adm XVI).

                 Não fechar seu coração nos bens legítimos desta terra, permanecer um buscador dos bens espirituais, livre de todo apego excessivo que aliena o coração do homem tudo isso se torna possível, segundo Francisco, por meio da adoração, quer dizer, quando a pessoa enraíza-se numa transcendência, a do amor gratuito de Deus.

          O homem com coração puro, liberto de toda alienação interior, de toda forma de egoísmo que fecha o homem sobre si mesmo, torna-se capaz de ver Deus em toda coisa criada, discernir que a finalidade de cada uma é o amor plenificante de Deus.





        Francisco convida seus irmãos a deixarem de lado tudo o que pode fazer obstáculo a esse amor gratuito de Deus que personaliza, humaniza, diviniza e transfigura o homem.
         Se o ser de Deus é amor, amar é participar um pouco mais no ser de Deus. Todo amor puro, verdadeiro, desinteressado me aproxima de Deus e torna puro meu coração. Francisco está de tal forma imerso na pura luz do amor de Deus, como numa fonte vivificante que ele mesmo se torna pureza em seu olhar e seus desejos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário