quinta-feira, 15 de setembro de 2016

DE ONDE VEM OS MILHÕES QUE PAGAM AS CAMPANHAS POLÍTICAS?


Um grupo de desbravadores quer mudar a lógica da política usando crowdfunding e blockchain para bancar campanhas. E aí? Topa financiar um candidato?



Todos os grandes partidos estão na mira da polícia. A mastodôntica Operação Lava-Jato flagrou-os todos recebendo bufunfa de grandes empresas, que em troca ganham "boas relações com o governo". Essa grana preta é o que financia as campanhas eleitorais do PMDB, do PT, do PSDB e de muitos outros.
Diante desse quadro, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão surpreendente no ano passado: proibiu que empresas financiem campanhas eleitorais. "Chegamos a um quadro absolutamente caótico, em que o poder econômico captura de maneira ilícita o poder político", justificou na época o ministro Luiz Fux, do Supremo. Nenhuma empresa poderá doar um centavo para os candidatos que disputarão as eleições municipais de 2016.

Fazer campanha é coisa cara. Em São Paulo, um candidato a vereador gasta em média R$ 1 milhão numa eleição - os que se elegem gastam R$ 2,7 milhões. E isso é um vereador.

Não é só que é caro: fica cada dia mais caro. Os candidatos a deputado federal haviam gasto, juntos, R$ 191 milhões na campanha de 2002. Corrigindo pela inflação, isso dá R$ 462 milhões. Em 2014, torraram R$ 1 bilhão - o que dá R$ 1,2 bilhão em dinheiro de hoje.
Como é caro, não é para todo mundo. Pouca gente tem bala na agulha para arcar com uma eleição. Por isso, quem quer disputar acaba indo bater na porta dos poucos que têm. Apenas três empresas pagaram 65% dos gastos das eleições presidenciais de 2014 - todas as candidaturas somadas. Só dez empresas doaram para 70% dos deputados que acabaram eleitos. Adivinha se essas empresas são bem tratadas pelo governo.
Muitas delas são justamente as mesmas que estão aparecendo nas investigações da Lava-Jato, que encontrou indícios de que elas tomam de volta dos governos o que doam aos políticos.
Enquanto isso, a eleição municipal se aproxima. Se essas empresas não puderem doar para os candidatos, quem então vai bancar as eleições? Você?

Se depender do engenheiro argentino Ariel Kogan, sim. É ele que está à frente do desenvolvimento do 
Voto Legal, um sistema que vai permitir que qualquer candidato receba doações individuais, de cidadãos comuns (por lei, cada brasileiro pode doar a candidatos 10% de sua renda bruta do ano anterior). "É uma revolução que estamos vendo começar", disse Ariel.

O Voto Legal não será só um site: será um sistema de transferência de recursos - financeiros ou não - para permitir que a própria sociedade financie eleições. "Estamos começando a construir as bases do que será um grande ecossistema", diz Thiago Rondon, fundador da App Cívico, a empresa de tecnologia que se uniu a Ariel nessa tarefa. Rondon refere-se à lógica de programação que eles escolheram usar: oblockchain. Significa que os registros das transações financeiras não ficarão centralizados em lugar algum: serão distribuídos pela rede, como acontece com moedas digitais tipo o bitcoin. E os dados serão abertos, podendo ser usados por qualquer um, sem custo.
No início, o Voto Legal não será muito diferente de qualquer site decrowdfunding: uma página para cada candidato, um vídeo no qual ele explica por que merece seu dinheiro, um sistema de pagamento mais simples e rápido do que preencher um cheque (lembra?). O dinheiro vai integralmente para o candidato - o Voto Legal é financiado por fundações e será lançado pelo MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), a rede de entidades da sociedade civil que esteve por trás da lei da Ficha Limpa.
Claro que é improvável que pobretões como eu ou você consigam compensar a falta que o dinheiro da Odebrecht e da JBS vão fazer - ainda mais num país com pouca tradição de doações e baixa reputação da política. Mas, de moeda em moeda, o pré-candidato americano Bernie Sanders conseguiu juntar mais de US$ 200 milhões para disputar as primárias das eleições presidenciais americanas.

Mas espera aí, vamos devagar. Também não é assim que o povo vai financiar a política, a corrupção vai evaporar e de uma hora para outra os políticos brasileiros vão virar suecos. "Tenha certeza de que as pessoas que têm interesse em que as coisas continuem como eram estão agora pensando no que fazer para que o dinheiro saia da sua fonte tradicional e chegue ao seu destino tradicional", diz o economista Caio Tendolini, um dos criadores do Update, um projeto que pesquisa inovação política.
"A lei eleitoral brasileira está cheia de defeitos que vão dificultar a mudança", diz Caio. Há os defeitos de sempre e há também alguns novos. Por exemplo: a campanha foi encurtada. Já era pequena (90 dias), caiu pela metade, graças à "reforma política" que os deputados tramaram sob a presidência de Eduardo Cunha, no ano passado. "É uma medida que serve para favorecer quem já está no cargo", diz Caio. Com uma campanha curta, não é fácil tornar alguém novo conhecido. E é mais difícil ainda colocar de pé uma campanha de crowdfunding - que normalmente leva meses para angariar apoio social e levantar dinheiro.
Caio é um dos articuladores da Bancada Ativista, um grupo de cidadãos paulistanos que, a exemplo de grupos semelhantes em várias grandes cidades brasileiras, montou um comitê para apoiar voluntariamente nove candidatos novatos a vereador com fortes laços com causas importantes da cidade. "A única estrutura da sociedade autorizada a fazer campanha é o partido - existe um monopólio da representação política", diz ele. O plano da Bancada é colocar em disputa esse monopólio: formar um coletivo de cidadãos que apresente uma agenda nova. "Inevitavelmente a sociedade civil se move mais rápido que instituições." Os candidatos da Bancada precisam ser filiados a um partido para disputar eleições, mas têm agenda própria. E vão financiar as campanhas com o Voto Legal.

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