Uma foi à loja rapidinho e a outra, em uma entrevista de emprego; ambas foram denunciadas
Por Mariana
Della Barba 30/jun 04:43
Nos últimos dias, li duas histórias chocantes de mães que, por motivos
diferentes, deixaram seus filhos sozinhos no carro.
Na primeira, uma escritora americana chamada Kim Brooks estava arrumando as
malas para embarcar em um voo com os filhos, quando percebeu que o fone de
ouvido do mais velho estava quebrado. Decidiu sair rapidinho para ir comprar, e
o filho, de 4 anos, quis ir junto. Chegando na loja, o menino não quis descer.
Apressada, ela o deixou sozinho no carro por alguns minutos. Voltou, foi pro
aeroporto, pegou o avião e, ao chegar, ouviu um recado no celular.
Era um policial dizendo que ela corria o risco de ser presa, porque havia
sido denunciado por uma pessoa que viu o menino no carro sozinha e chamou a
polícia. Quando os policiais chegaram, Kim e seu filho já haviam saído. Mas a
tal testemunha havia fotografado a placa do carro e, por isso, a investigação
continuou.
Resumindo bem, ela acabou indo a julgamento e se declarando culpada, mesmo
não concordando com isso. Recebeu uma pena de um ano fazendo serviços
comunitários, algo que ela achou positivo e gratificante. A única coisa que
ainda a preocupa é o fato de o filho ter ficado meio traumatizado, achando que
alguém vai vir pegá-lo ou que a polícia vai prender a
mãe.
Corta e dá um pause na cena, até o fim da próxima história.
Bom, o segundo texto que li é muito mais triste. Fala da americana Shanesha
Taylor, que estava desempregada quando o episódio aconteceu. Depois de ser
demitida enquanto estava grávida,
de algum tempo sem trabalho, com dívidas, sem lugar para morar com os dois
filhos pequenos e com um marido sumido do mapa, ela foi chamada por uma
entrevista de emprego que julgou ter muitas chances.
No dia da entrevista, a babá com quem ia deixar as crianças deu balão. Tentou
outras pessoas, mas não conseguiu. Sem alternativas à vista, resolveu dirigir
com os filhos (de 6 meses e 2 anos) até o local e deixá-los no carro durante a
entrevista.
Resultado? Quando ela voltou, mais de meia hora depois, foi presa pela
polícia por abuso de menor. Na delegacia, foi fotografada com lágrimas nos
olhos, como se pode ver na foto.
Quando saiu da prisão, perdeu a guarda das crianças. Passou mais de dois
meses sem poder vê-los e agora tem encontros esporádicos. Seu julgamento será no
mês que vem.
E então, queixo caído com as duas histórias? O que pensar?
Na minha cabeça, ainda um pouco confusa com esses dois casos, a coisa ficou
mais ou menos assim:
As mães erraram em deixar os filhos sozinhos no carros? Claro que sim.
Mas elas são mães ruins por conta disso? Eu acho que não - aliás, quem sou eu
pra julgar outra mãe.
As autoridades estão certas de levar adiante as denúncias nos dois casos?
Provavelmente sim, já que a função delas é proteger crianças de pais realmente
negligentes, que, sei lá, deixam o filho no carro para ir usar drogas ou algo do
tipo.
Passadas essas questões iniciais, vêm a tona detalhes mais sutis mas que
alinhavam bem os dramas das duas mães.
No caso de Kim o que mais me chamou a atenção foi o fato de a pessoa que a
denunciou ter se preocupado em tirar uma foto da cena, e não em ir lá ficar com
a criança.
Se ela estava com tanto medo que algo de ruim acontecesse, não era esse o
certo? Ir lá perguntar se o menino estava suando, verificar se ninguém estava
por perto para roubá-lo, tirá-lo do carro eventualmente, enfim, oferecer ajuda.
E se a pessoa que a denunciou tivesse simplesmente ficado ao lado do carro
pelos poucos minutos em que ela esteve na loja ou, melhor ainda, ter conversado
com o menino? Na volta, poderia ter dito algo do tipo: "Olha, estou aqui porque
quis checar se estava tudo bem com seu filho ou se vocês precisavam de ajuda."
Pra mim, faltou solidariedade, sobrou muito denuncismo.
Embora em um grau totalmente diferente, a história de Shanesha também remete
a essa questão de falta de ajuda. O governo não deveria ter creches para que ela
pudesse deixar os filhos, ainda mais estando desempregada? E o pai das crianças?
Uma mulher totalmente desamparada, tendo que lidar sozinha com a difícil tarefa
de criar das crianças enquanto procura emprego.
De novo, faltou solidariedade, sobrou denuncismo.
Vamos louvar o fato de elas terem deixado os filhos no carro? É claro que
não. Dezenas de crianças morrem todos os anos por conta de atitudes como essas.
Mas é o caso de enfiar o dedo na cara delas, de ameaçar ou efetivamente
mandar essas mães pra prisão? Não. Uma sociedade menos paranoica, mais solidária
e que cuida melhor das mães e das crianças resolveria o problema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário