O QUE É O PECADO?
Frei Antônio Moser responde: O pecado é construir uma vida fora dos pressupostos dos planos de Deus.
Quem peca vai para o inferno e quem não peca vai para o céu?
Em primeiro lugar, só mesmo Deus sabe quem vai para o céu e quem irá para o inferno. Ou seja, a vida é muito complicada. Agora, fundamentalmente, você tem aquilo que se denomina de pecado mortal. Ou seja, uma ruptura profunda com os planos de Deus. E a pessoa persevera nessa ruptura profunda, se revolta contra Deus. Assim por diante. Agora, todo mundo peca. Se fosse válida esta teoria de que quem não peca vai para o céu, então eu diria que ninguém vai, porque todos somos pecadores. A diferença é que há rupturas mais profundas e rupturas menos profundas. Há pessoas que reconstroem a sua vida e há pessoas que persistem no mal. Então essa que é a diferença.
Existe o perdão, o arrependimento?
Antônio Moser Claro, a tese fundamental do evangelho é "eu vim para salvar os pecadores". Cristo veio como a expressão de Deus, da misericórdia e do perdão. E a igreja não prega o pecado, ela prega a salvação do pecado. É diferente, quer dizer. Apesar da fraqueza de uma pessoa ou de todos nós. Apesar disso, Deus nos ama e ele nos quer em plenitude de vida. Salvação é plenitude de vida. Em comunhão com Deus.
Por que o senhor criou o subtítulo "Do Descrédito ao Aprofundamento" para seu livro?
Antônio Moser Houve um período em que se falava muito do pecado e o pecado era uma espécie de fantasma. Acontece que nos últimos 50 anos, sobretudo a partir da década de 50, nós encontramos um descrédito muito grande sobre o que é pecado e o que não é pecado. E muita gente ri só de ouvir a palavra pecado. Por que acha que pecado é aquela listinha que ele aprendeu no primeiro catecismo.
Os dez mandamentos?
Antônio Moser Não, os mandamentos continuam sendo, vamos dizer, indicadores do caminho da vida. Agora, o que acontece, tem a listinha, desobedecer papai e mamãe etc., etc. Muito bem, então o pecado entrou em descrédito. Em todas as áreas, não é? Agora, eu procuro mostrar o porquê desse descrédito. No fundo, porque se separa pecado e graça. Muitas vezes uma coisinha que não tem nada a ver com pecado é caracterizado como pecado. Eu procuro aprofundar a compreensão de pecado como aquilo que desagrega o ser humano e desagrega a sociedade. Isto seria o pecado. E por isso o aprofundamento. Não é história para criança. É para a pessoa adulta que se coloca as grandes questões da vida, da morte. O amor a Deus, o amor ao próximo.
O seu livro também exige do leitor uma formação intelectual, não é ?
Antônio Moser Sim, mas não precisa ser doutor. É um livro escrito mais para professores e estudantes de teologia, sejam leigos ou então a caminho do sacerdócio. Agora, exige uma certa cultura, não há dúvida nenhuma.
O senhor falou que nas 370 páginas não chegou à definição sobre o pecado. Por quê?
Antônio Moser Porque uma definição sempre encobre o principal. Ou seja, a definição empobrece uma realidade. Mas eu tenho muitas definições. Por exemplo, pecado é revoltar-se contra Deus. Pecar é não querer participar dos grandes projetos que Deus tem para conosco. Como pessoas e como sociedade. Criar um mundo novo, realmente novo. Então isso é pecar, é você se colocar à margem da história. Você não quer participar da história. E Deus nos criou para construir uma história de filhos e filhas de Deus. Isso seriam várias definições possíveis do pecado, mas nenhuma, digamos, conclusiva.
O mundo mudou. O que era pecado antes hoje não é mais pecado? Há pecados novos?Antônio Moser Eu diria, há novas expressões de pecado. Por exemplo, há dez anos, ninguém iria confessar-se ou reconhecer-se pecador por estar poluindo um rio. Ninguém iria sentir remorso por isso. Hoje, eu diria, tem pessoas que percebem cada vez mais claramente que poluir as águas é um pecado. Porque você está matando a vida nas suas várias formas. Indiretamente, está prejudicando a saúde de tantas pessoas. Inclusive eu desenvolvo um trabalho com mendigos. Eles trabalham na reciclagem dos mais diversos materiais. O dia que eu fui dar a bênção nesse centro de reciclagem, um mendigo tomou a palavra, quis falar. "Olha, nós mendigos somos os profetas de uma nova sociedade. Enquanto os ricos poluem o mundo, nós estamos limpando o mundo". Bonito, não é? Mostra consciência ecológica. Então, eu diria o pecado assume novas fisionomias. No fundo é sempre querer ser igual a Deus. E não aceitar-se como criatura humana. "Sereis iguais a Deus", a tentação que vem descrita no início do livro do Gênesis. Agora, o importante, eu diria, é que o pecado sempre se constitui numa ruptura com os planos de Deus. E o pecado sempre vai adquirindo novas fisionomias. Eu diria, é um pouco despistando a gente, não é?
O Catecismo da Igreja Católica define o pecado como "uma falta contra a razão, a verdade, a consciência reta; é uma falta ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego perverso a certos bens. Fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana. Foi definido como uma palavra, um ato ou um desejo contrário à lei eterna" (CIC 1849). Resumidamente, o pecado é uma ação contrária ao amor de Deus. Do mesmo modo que o homem é livre para amar e praticar a caridade, também é livre para desobedecer.
É sabido também que existe uma grande variedade de pecados e, apesar de todos serem uma ofensa a Deus, estão separados em diferentes graus. A Sagrada Escritura traz várias listas e descrições. Por exemplo, São Paulo na Carta aos Gálatas diz que: "as obras da carne são manifestas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos previno, como já vos preveni, os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus" (5,1 9-21)
"O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, como o próprio amor. Acarreta a perda da caridade e a privação da graça santificante, isto é, do estado de graça. Se este estado não for recuperado mediante o arrependimento e o perdão de Deus, causa a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no inferno, já que nossa liberdade tem o poder de fazer opções para sempre, sem regresso. No entanto, mesmo podendo julgar que um ato é em si falta grave, devemos confiar o julgamento sobre as pessoas à justiça e à misericórdia de Deus." (CIC 1861)
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