quinta-feira, 30 de junho de 2016

BLOG LITERATURA : IDEIA INFELIZ, PATRÍCIA SECCO VAI ADAPTAR "O ALIENISTA"!




Ideia infeliz


por José Augusto Carvalho


Os jornais noticiam que Patrícia Secco vai adaptar O Alienista, de Machado de Assis, para que as pessoas pouco habituadas à leitura possam entender o grande escritor. Piada de mau gosto. Grandes escritores brasileiros, como Rubem Braga, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Dias Gomes, entre outros, adaptaram obras de autores clássicos. Monteiro Lobato adaptou D. Quixote e Gulliver, por exemplo, e Carlos Heitor Cony adaptou Moby Dick. Mas a literatura não pode ser entendida apenas como narrativa. O mais importante na literatura não é a história que se conta, mas o modo como se conta a história, ainda que a história tenha sua importância. Guimarães Rosa, Dias Gomes, José Cândido de Carvalho e outros grandes autores são importantes pela subversão da linguagem mais do que pelas histórias que contam. Na experiência brasileira, por melhores que sejam ou tenham sido os adaptadores de obras clássicas, a obra adaptada é mutilada e perde muito de sua qualidade.
As experiências francesas nesse sentido são mais adequadas. Refiro-me à coleção “J’ai lu l’essentiel”, das Editions J’Ai Lu, ou aos fascículos das coleções
 Classiques Larousse e Classiques Illustrés Vaubourdolle, da Editora Hachette, em que o
 responsável pela adaptação do texto para uso de alunos e professores suprime algumas
 partes da obra, fazendo um resumo breve do que foi suprimido, com um tipo menor de
 letra, e transcrevendo ipsis litteris as partes que não foram suprimidas, de forma que
 o leitor fica conhecendo a história e o modo como a história é contada, sem prejuízo
 do valor da obra. Obras clássicas, até mesmo em linguagem arcaica, como La
Chanson de Roland, se apresentam com intercalação do texto adaptado no
 texto original, sem quebrar a sequência narrativa e sem deixar de mostrar
 como era a linguagem original do poeta.
No caso brasileiro, fico pensando em como seria a adaptação de Grande Sertão: Veredas,
de Guimarães Rosa, para um público pouco habituado à leitura; como seria a adaptação de
 Dom Casmurro, de Machado de Assis, sem a ironia, sem o recurso à psicologia, sem o
 “diálogo” com o leitor, sem a linguagem deliciosa. Nem posso imaginar como seria O
 Alienista na visão distorcida de um adaptador que pensa apenas no baixo nível do
 leitor, esquecendo ou ignorando o nível do autor adaptado.
Não sei se suportaria ouvir a Sinfonia Pastoral, de Beethoven, em ritmo de tango,
 ou uma sinfonia de Mozart em ritmo de samba. Não foi para a arraia-miúda que
 essas músicas foram compostas. É preciso educar o ouvido para apreciá-las,
e não mutilá-las.
Imagino que a ideia básica desse projeto infeliz é descer o nível das obras
 ao nível do povo, em lugar de tentar elevar o nível do povo para que ele
 possa ter acesso a essas obras. Trata-se de uma subversão de valores.
 Não creio que seja a melhor forma de educar um povo. Parece- me
antes uma forma de torná-lo mais preguiçoso mentalmente.
Ou mais ignorante.

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