No dia em que o papa Francisco dá início à maior reforma da Santa Sé em décadas, o pontífice deixa claro seu ataque contra a estrutura do Vaticano, contra as disputas de poder nos bastidores da Igreja e defende uma reforma radical. "A corte é a lepra do papado", atacou o argentino.
Em entrevista ao fundador do jornal La Repubblica, Eugenio Scalfari, chegou
até a alertar que não acredita em um "Deus católico", mas em um Deus
de todos. Para ele, Deus tem um conceito que vai além do catolicismo. "Não
existe um Deus católico. Há um Deus." Ele, porém, alerta: "Religião
sem misticismo é apenas filosofia".
Nessa terça-feira, 1, o grupo de oito cardeais convocados por Francisco
começou a apresentar os detalhes de todas as ideias que nos últimos meses
recolheram pelo mundo sobre a reforma da Igreja. O processo será longo.
Essa será sua principal obra e ele quer deixar a mudança como seu
principal legado, atacando o egoísmo dentro dos muros da Igreja, o fato de a
Santa Sé apenas defender seus interesses e um comportamento de bispos que não
condiz com o cristianismo. "Esse é o início de uma Igreja com uma organização
não tão vertical, mas também horizontal", apontou o papa, apostando em uma
Igreja menos centralizada.
Ao retornar de sua viagem ao Brasil, o papa já havia indicado que não
seria ele quem julgaria os gays. Ontem, reforçou a ideia de que não será ele
nem o Vaticano que julgarão o bem e o mal. Na entrevista publicada nessa terça,
uma vez mais Francisco dá sinais concretos de que quer uma Igreja aberta.
"Estar aberto à modernidade é um dever", insistiu, revelando o que
vai querer de sua reforma.
Ao falar sobre o narcisismo, o papa foi contundente. "Não gosto da
palavra narcisismo", disse. "Indica um amor fora de lugar por si
mesmo. O verdadeiro problema é que os mais afetados por isso, que na realidade
é uma espécie de desordem mental, são pessoas que têm muito poder",
atacou. "Muitas vezes, os chefes são narcisistas."
O papa chegou a elogiar alguns membros da Teologia da Libertação,
tendência atacada pelo Vaticano, e aponta que foi justamente a perseguição
contra esses padres que o politizou. "Isso lhes deu um plus político à sua
ideologia, mas muitos deles eram crentes com um alto conceito de
humanidade."
Igreja feminina. Ele não deixou de atacar o "liberalismo selvagem
que converte os fortes em mais fortes e os fracos em mais fracos e os excluídos
em mais excluídos". Para ele, o Estado precisa corrigir "as
desigualdades mais intoleráveis".
Jorge Bergoglio voltou a insistir que uma "Igreja missionária e
pobre é mais válida do que nunca". "Essa é a Igreja que Jesus
pregava." O papa deu sinais de que a participação da mulher na Igreja
também será alvo da reforma. "Não se esqueça de que a Igreja é
feminina."
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