As aulas
do professor Homer
Os Simpsons usam os números para
fazer graça – e mostram como a matemática e o desenho animado de humor são
universos próximos
MARCELO
MOURA
"Os Simpsons são a
coisa mais idiota que já vi”, disse Barbara Bush, quando era primeira-dama dos Estados Unidos. Seu marido, o presidente George Bush, o pai,
começou a campanha à reeleição, em 1992, dizendo que lutaria para tornar as
famílias americanas “menos parecidas com os Simpsons”. Ei. Se duas pessoas da
família Bush não gostam, é bem provável que a coisa seja boa. Os
Simpsons, série de desenho animado lançada em 1989, conta a vida de uma
família politicamente incorreta na cidade fictícia de Springfield. Nos
primeiros anos, o protagonista era o filho Bart, um arruaceiro incorrigível. Na
segunda década, a trama destacou o pai, Homer, um preguiçoso de inteligência
limitada. Na superfície, é apenas isso. Para olhares treinados, o desenho tem
muito mais. “Os Simpsons contêm mais referências à matemática que qualquer outra série na história da
televisão”, diz Simon Singh, escritor especializado em divulgação científica.
Singh lançou Os Simpsons e seus segredos de matemática (inédito
no Brasil), um tratado sobre como a matemática, a mais pura das ciências, se
incorporou à família símbolo da mediocridade ocidental.
Os Simpsons foram
lançados com uma proposta inovadora: um desenho animado com humor ácido, para
espectadores de todas as idades. Para divertir diferentes públicos – e
aproveitar as funções pause e replay do videocassete, então uma novidade nos
lares –, os criadores incluíram no desenho piadas rápidas. Dois dos oito
redatores da equipe, Mike Reiss e Al Jean, resolveram rechear as histórias com
referências à matemática. Logo no primeiro episódio, Maggie, a bebê da família
Simpson, empilha bloquinhos com letras. Ela acaba por formar a sequência
“emcsqu”, uma referência à equação e=mc², proposta por Albert Einstein,
fundamental para a Teoria da Relatividade. Quem percebeu riu. Quem não percebeu
não perdeu nada essencial à trama.
Matemática era uma paixão de infância dos dois redatores. Antes de estudar
letras, na Universidade Harvard, Reiss pertenceu à equipe de matemática do
Estado de Connecticut, nos Estados Unidos. Jean foi aceito pela faculdade de
matemática de Harvard aos 16 anos. Os dois seguiram carreira como redatores de
humor e acabaram na equipe dos Simpsons. Promovidos a produtores
executivos, em 1992, Reiss e Jean passaram a recrutar redatores formados em
ciências exatas. Também ganharam a ajuda de fãs versados em números, como o
físico Stephen Hawking. Hawking já participou de quatro episódios dos Simpsons.
Em todos, foi ao estúdio dublar seu personagem. A matemática tornou-se
fundamental ao enredo do desenho.
“Homer³”, parte do especial de Dia das Bruxas da sétima temporada, é o
exemplo mais sofisticado de matemática nos Simpsons. Criado por David
Cohen, mestre em ciência da computação pela Universidade da Califórnia em
Berkeley, o episódio mostra Homer aprisionado num Universo de três dimensões –
assumindo que os Simpsons vivem num mundo bidimensional. A busca pelo
personagem desaparecido é uma aula sobre universos paralelos, que apresenta ao
grande público teorias sobre a quarta dimensão, tão inalcançável aos humanos
quanto a terceira é aos moradores de Springfield. Homer faz piada com o alto
custo de produzir animação 3D em 1995. “Nossa, esse lugar parece caro”, diz.
“Homer³” ajuda a responder à questão principal do livro: por que o casamento
entre Os Simpsons e a matemática deu certo? O livro de Singh dá duas
explicações. A primeira: porque Os Simpsons são um desenho. Springfield
é um universo fabricado, livre de qualquer limitação do mundo real. É,
portanto, semelhante ao mundo abstrato onde se desenrolam as formulações da
física e da matemática. A segunda explicação proposta por Singh é mais
ambiciosa: fazer contas e fazer humor são exercícios intelectualmente
parecidos. “Você tenta formular uma piada sem saber se existe uma solução capaz
de contemplar todos os detalhes necessários”, diz Cohen. “Da mesma forma, você
tenta provar algo matematicamente sem saber se existe uma resposta.”
O humor era desprezado por pensadores clássicos. Aristóteles (384 a.C.-322
a.C.) definiu a comédia como “a representação de pessoas inferiores”. A
redenção da comédia é recente, proposta por pensadores como Emmanuel Kant
(1724-1804). “O riso é uma reação à súbita transformação de uma grande
expectativa em nada”, diz Kant. Na concepção moderna, a graça de uma piada é
semelhante à satisfação alcançada na solução de um problema. Ambos exigem um
complexo processamento de informações, que depende de inteligência e repertório.Certo,
Homer?
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