sábado, 7 de dezembro de 2013

O PROFESSOR HOMER É UM DOS MELHORES DE TODOS OS TEMPOS.





As aulas do professor Homer
Os Simpsons usam os números para fazer graça – e mostram como a matemática e o desenho animado de humor são universos próximos
MARCELO MOURA
"Os Simpsons são a coisa mais idiota que já vi”, disse Barbara Bush, quando era primeira-dama dos Estados Unidos. Seu marido, o presidente George Bush, o pai, começou a campanha à reeleição, em 1992, dizendo que lutaria para tornar as famílias americanas “menos parecidas com os Simpsons”. Ei. Se duas pessoas da família Bush não gostam, é bem provável que a coisa seja boa. Os Simpsons, série de desenho animado lançada em 1989, conta a vida de uma família politicamente incorreta na cidade fictícia de Springfield. Nos primeiros anos, o protagonista era o filho Bart, um arruaceiro incorrigível. Na segunda década, a trama destacou o pai, Homer, um preguiçoso de inteligência limitada. Na superfície, é apenas isso. Para olhares treinados, o desenho tem muito mais. “Os Simpsons contêm mais referências à matemática que qualquer outra série na história da televisão”, diz Simon Singh, escritor especializado em divulgação científica. Singh lançou Os Simpsons e seus segredos de matemática (inédito no Brasil), um tratado sobre como a matemática, a mais pura das ciências, se incorporou à família símbolo da mediocridade ocidental.
Os Simpsons foram lançados com uma proposta inovadora: um desenho animado com humor ácido, para espectadores de todas as idades. Para divertir diferentes públicos – e aproveitar as funções pause e replay do videocassete, então uma novidade nos lares –, os criadores incluíram no desenho piadas rápidas. Dois dos oito redatores da equipe, Mike Reiss e Al Jean, resolveram rechear as histórias com referências à matemática. Logo no primeiro episódio, Maggie, a bebê da família Simpson, empilha bloquinhos com letras. Ela acaba por formar a sequência “emcsqu”, uma referência à equação e=mc², proposta por Albert Einstein, fundamental para a Teoria da Relatividade. Quem percebeu riu. Quem não percebeu não perdeu nada essencial à trama.

Matemática era uma paixão de infância dos dois redatores. Antes de estudar letras, na Universidade Harvard, Reiss pertenceu à equipe de matemática do Estado de Connecticut, nos Estados Unidos. Jean foi aceito pela faculdade de matemática de Harvard aos 16 anos. Os dois seguiram carreira como redatores de humor e acabaram na equipe dos Simpsons. Promovidos a produtores executivos, em 1992, Reiss e Jean passaram a recrutar redatores formados em ciências exatas. Também ganharam a ajuda de fãs versados em números, como o físico Stephen Hawking. Hawking já participou de quatro episódios dos Simpsons. Em todos, foi ao estúdio dublar seu personagem. A matemática tornou-se fundamental ao enredo do desenho.

“Homer³”, parte do especial de Dia das Bruxas da sétima temporada, é o exemplo mais sofisticado de matemática nos Simpsons. Criado por David Cohen, mestre em ciência da computação pela Universidade da Califórnia em Berkeley, o episódio mostra Homer aprisionado num Universo de três dimensões – assumindo que os Simpsons vivem num mundo bidimensional. A busca pelo personagem desaparecido é uma aula sobre universos paralelos, que apresenta ao grande público teorias sobre a quarta dimensão, tão inalcançável aos humanos quanto a terceira é aos moradores de Springfield. Homer faz piada com o alto custo de produzir animação 3D em 1995. “Nossa, esse lugar parece caro”, diz.


“Homer³” ajuda a responder à questão principal do livro: por que o casamento entre Os Simpsons e a matemática deu certo? O livro de Singh dá duas explicações. A primeira: porque Os Simpsons são um desenho. Springfield é um universo fabricado, livre de qualquer limitação do mundo real. É, portanto, semelhante ao mundo abstrato onde se desenrolam as formulações da física e da matemática. A segunda explicação proposta por Singh é mais ambiciosa: fazer contas e fazer humor são exercícios intelectualmente parecidos. “Você tenta formular uma piada sem saber se existe uma solução capaz de contemplar todos os detalhes necessários”, diz Cohen. “Da mesma forma, você tenta provar algo matematicamente sem saber se existe uma resposta.”



O humor era desprezado por pensadores clássicos. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) definiu a comédia como “a representação de pessoas inferiores”. A redenção da comédia é recente, proposta por pensadores como Emmanuel Kant (1724-1804). “O riso é uma reação à súbita transformação de uma grande expectativa em nada”, diz Kant. Na concepção moderna, a graça de uma piada é semelhante à satisfação alcançada na solução de um problema. Ambos exigem um complexo processamento de informações, que depende de inteligência e repertório.Certo, Homer?

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