Por Aluysio, em 13-11-2014 - 14h34
O fotógrafo
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava
entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um
bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim num beiral
de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada mais na existência
do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda azul-perdão no olho de um
mendigo.
Fotografei o perdão.
Vi um paisagem velha a desabar sobre
uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim cheguei a Nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na
aldeia de braços com Maiakóvski — seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma
roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.
Este foi o primeiro poema de Manoel de Barros que li, pertencente ao
livro que de certa forma batizou, “Ensaios fotográficos”, de 2000. E é até hoje
o que mais gosto, considerando-o entre os mais belos já produzidos por qualquer
língua que, no eco a Caetano, já tenha roçado à de Luís de Camões. A de Manoel
deixou de bater-lhe ao palato na manhã de hoje, aos 97 anos, em Campo
Grande, capital do seu Mato Grosso do Sul. Mas como observou outro poeta, o
campista Adriano Moura: “nossa sorte é que voz poética não se cala”.
De qualquer maneira, é curiosa essa sensação doída de perda, como de um
amigo ou parente, esses olhos infiltrados e a garganta árida pela perda de alguém
cujo conhecimento pessoal nunca excedeu a leitura dos versos. Uso a
inutilidade dos meus para me despedir de quem tanto os influenciou e que agora,
finalmente, atingiu apenas o “reino das imagens, o reino da despalavra”. Vá com
Deus, em seu sopro no vento, poeta! Muito obrigado por tudo!
Ladrões
o vento entrou pela janela
parecia ladrão o vento
trazia os cheiros roubados de outro
lugar
de um tempo que já não existia
dissimulado, ele assobiava
flagrei o vento, que se assustou
quis reagir, bateu a porta
mas roubei para mim seus cheiros
que guardei entre duas folhas de um livro
e a chuva que caiu benzeu perdão
Cambuci, 28/05/2000
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