sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Vestida em rendas valencianas e sedas peroladas, a princesa regente procurava passagem no meio da multidão de 10 mil pessoas, na tentativa de chegar ao balcão do Paço, no Rio de Janeiro. Sob uma chuva de flores atiradas por senhoras, conseguiu subir à sacada. Eram 15 para as 3 da tarde quando entrou na sala do trono e assinou a lei 3 353 com uma pena de ouro. De acordo com os termos da Abolição (de 13 de maio de 1888), a lei oficializou o princípio jurídico da igualdade. "Muitos foram os que saíram dos engenhos e fazendas para buscarem a liberdade na pesca e na mariscagem, outros para seguirem Antônio Conselheiro. Houve os que se embrenharam nas matas para constituírem os novos quilombos. Para todos esses rurais, o preço da liberdade era a miséria. Para a grande maioria, no entanto, a impossibilidade de acesso à terra tolhia os sonhos de liberdade", escreveu o historiador Ubiratan Castro de Araújo, no artigo "Reparação Moral, Responsabilidade Pública e Direito à Igualdade do Cidadão Negro no Brasil".
À venda
A escravidão não é invenção dos portugueses e já existia na África. Mas o tráfico mercantil, liderado por Portugal e depois pelo Brasil, espalhou a prática em escala sem precedentes no oceano Atlântico. "Perversidade intrínseca: escravos eram adquiridos pelos traficantes em troca de mercadorias produzidas pela força de trabalho escrava", escreveu o historiador Jaime Pinsky em A Escravidão no Brasil. Eram embarcados entre 200 e 600 negros na África, a cada viagem. Vinham amarrados por correntes e separados por sexo. Sofriam, além do desconforto físico, falta de água e doenças. No século 19, dos que vinham de Angola, 10% morriam na travessia, que demorava de 35 a 50 dias.
Assim que chegavam ao Brasil, eles eram postos em quarentena, a fim de evitar mais perdas por doenças.
Cidade negra
O Brasil foi o país de maior e mais longa escravidão urbana. Nas cidades, o escravo tinha mais independência do que no campo. "Ele circulava nas ruas, estabelecia vínculos com os homens livres humildes", escreveu Kátia. Havia mais chances de encontrar membros da mesma etnia, em festas e confrarias religiosas realizadas em praça pública, e a presença do senhor era menos opressiva. Os escravos, mestiços, forros, libertos circulavam fornecendo serviços, e podiam ser alugados. Os acordos com os senhores também eram flexíveis: havia escravos que recebiam somente comida e roupa, outros, "escravos de ganho", repassavam ao senhor uma porcentagem dos pagamentos feitos pelos seus clientes.
Finalmente, muito dessa história se perdeu. Então ministro da Fazenda, Rui Barbosa mandou queimar, em 14 de dezembro de 1890, os registros de posse e movimentação patrimonial envolvendo todos os escravos, o que foi feito ao longo de sua gestão e de seu sucessor. A razão alegada para o gesto teria sido apagar "a mancha" da escravidão do passado nacional. Mas especialistas afirmam que Rui Barbosa quis, com a medida, inviabilizar o cálculo de eventuais indenizações que vinham sendo pleiteadas pelos antigos proprietários de escravos. Apenas 11 dias depois da Abolição, um projeto de lei foi encaminhado à Câmara, propondo ressarcir senhores dos prejuízos gerados com a medida. Mas, mesmo sem os papéis, a escravidão deixou marcas duradouras e traços para sempre visíveis na História do país.
Rebeldes de Santana: direitos por escrito
CEGA
Na sala as orações eram feitas em latim. Os africanos reinterpretavam: Resurrexit sicut dixit ("ressuscitou, como havia dito") virou, na prática, "reco-reco Chico disse".
Crianças brancas e negras andavam nuas e brincavam juntas até os 5 ou 6 anos. Tinham os mesmos jogos, baseados nos mesmos personagens fantásticos do folclore africano. Mas, aos 7 anos, a criança negra enfrentava sua condição e precisava começar a trabalhar.
ESCOLA PROIBIDA
Não havia escola para escravos e forros, mas, algumas poucas vezes, aqueles que trabalhavam na casa grande, bilíngues na prática, iam à sala de aula.
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