RIO - Apesar de ter lido o livro “Una oveja negra al poder” (Uma ovelha
negra no poder, em tradução livre) antes de sua publicação e de estar
promovendo essa biografia autorizada tanto no Uruguai quanto na Argentina, o
ex-presidente José Mujica disse nesta sexta-feira que, ao contrário do que está
escrito na obra e do que foi revelado pelo
GLOBO, nunca conversou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
sobre o escândalo do mensalão. O livro foi lançado há uma semana.
Ao longo de cinco anos, os jornalistas Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz,
editor-chefe e repórter da revista “Búsqueda”, entrevistaram o líder uruguaio
com o intuito de publicar um livro ao final de seu mandato. Nas diversas
entrevistas, a dupla colheu relatos de um encontro entre os dois que, segundo
consta na obra, teria ocorrido em Brasília em 2010 e que teria girado em torno
do escândalo do mensalão. Nele, escreveram os autores, Lula lhe teria
“confessado” que a compra de apoio parlamentar “era a única forma de governar o
Brasil” e que havia lidado com “coisas imorais, chantagens” no período.
Nesta sexta-feira, o ex-presidente foi à Prefeitura de Montevidéu para
apresentar a biografia. O evento literário ocorreu num dos salões nobres da
prefeitura.
Durante a apresentação do livro e diante da grande repercussão gerada
pelas citações atribuídas a Lula no livro, Mujica foi questionado sobre o
assunto e respondeu:
— Não. Eu jamais falei com o brasileiro sobre o mensalão.
Os repórteres questionaram, então, o conteúdo do livro que ele promovia,
ao lado dos autores, e Mujica emendou:
— O que acontece é que eu não escrevi o livro.
Textualmente, a obra narra o seguinte trecho, com citações supostamente
feitas por Mujica aos jornalistas:
“‘Lula não é um corrupto como Collor de Mello e outros ex-presidentes
brasileiros’, disse-nos Mujica, ao falar do caso. Ele contou, além disso, que
Lula viveu todo esse episódio com angústia e com um pouco de culpa. ‘Neste
mundo tive que lidar com muitas coisas imorais, chantagens’, disse Lula,
aflito, a Mujica e Astori, semanas antes de eles assumirem o governo do
Uruguai. ‘Essa era a única forma de governar o Brasil’, se justificou. Os dois
tinham ido visitá-lo em Brasília, e Lula sentiu a necessidade de esclarecer a
situação”.
‘QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO’
Na manhã desta sexta-feira, Danza disse ao site G1 que Lula não se
referia ao mensalão. Imediatamente, o Instituto Lula divulgou nota usando esta
entrevista para negar a reportagem do GLOBO.
Logo depois, em entrevista ao site da “Veja”, Danza, porém, reafirmou o
que havia dito ao GLOBO na quinta-feira: que, conforme escreveu em seu livro,
Lula “não usou especificamente a expressão mensalão”, ao falar sobre “coisas
imorais, chantagens”, mas que “para Mujica ficou claro que ele estava se
referindo especificamente ao mensalão”.
A mesma associação — entre a frase atribuída a Lula e o escândalo do
mensalão — aparece também na resenha que a revista “Búsqueda”, editada por
Danza, publicou na edição que chegou às bancas na quinta-feira.
Intitulado “Lula: el mensalão era la única forma de gobernar Brasil”, o
texto traz alguns trechos da obra, entre eles, aquele em que Mujica relata a
posição de Lula sobre o escândalo revelado em 2005.
Nesta sexta-feira, por telefone ao GLOBO, os dois autores da biografia
disseram que não desmentem “uma vírgula do livro”, mas que existem “questões de
interpretação”.
— O que está no livro é o que está no livro, o que disse Mujica é o que
disse Mujica — afirmou Tulbovitz.
A apresentação do já controverso livro na sede da prefeitura de
Montevidéu aconteceu em meio à forte repercussão do caso. Jornalistas locais
disseram que os autores do livro são muito ligados a Mujica, fato confirmado
por eles em entrevistas anteriores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário