“As Doenças São Psicossomáticas”.
Se você, como
eu, tem idade suficiente para se lembrar de alguma coisa dos anos 70, talvez
se
recorde do uso exaustivo, repetitivo e irritante do adjetivo “psicossomático”.
Formado
pela junção dos termos gregos para mente (“psico”) e corpo (“soma”),
classifica problemas
físicos de saúde cuja causa, profunda, encontra-se no
estado do espírito do paciente.
Não é difícil
ver que muita coisa pode mesmo ser psicossomática: estados emocionais
afetam a
pressão sanguínea, a produção de hormônios, o ritmo da respiração.
No fim,
estados mentais são estados do cérebro, e o cérebro é um órgão físico, sólido,
que é tão parte do corpo quanto o fígado ou o coração.
O problema é que
quem diz que “as doenças são psicossomáticas” geralmente está se
referindo a
todo tipo de problema, incluindo doenças infecciosas como gripe ou aids,
ou
males de causa complexa, como câncer. O que é não só errado, como cruel e
perigoso.
Entre as causas
não-psicossomáticas de doenças estão coisas como fatores ambientais
e predisposições
genéticas mas, talvez por sua proeminência histórica, o alvo preferencial
dos
apóstolos radicais da “causa psicossomática” é a teoria dos germes.
A existência de
micro-organismos foi estabelecida ainda no século 17, mas sua relação com
a
doença só foi notada no século 19, graças ao trabalho de cientistas como Ignaz
Semmelweis (1818-65), que provou que médicos que lavam as mãos transmitem
menos
doenças para seus pacientes; Louis Pasteur (1822-95), que criou as primeiras
vacinas; e Robert Koch (1843-1910), que provou que bactérias causam cólera e
tuberculose.
Cem anos antes
do trabalho desses pioneiros, outros cientistas já tinham visto micróbios
no
sangue de pessoas doentes, mas haviam interpretado a evidência de trás para
frente,
supondo que era da doença que brotavam os bichinhos, e não o contrário.
O dogma psicossomático
aparece em dois sabores: o “puro”, que simplesmente ignora
a existência de
coisas como germes, predisposições genéticas ou contaminantes ambientais,
e o
“misto”, segundo o qual germes, genes e meio ambiente podem até ser a causa
imediata da
doença – mas essas coisas só teriam, digamos, “permissão” para
atacar uma pessoa quando
as defesas mentais caem.
Ambas as
versões, no fundo, representam uma recaída atavística na velha teoria do
pecado:
durante milênios, doença foi associada a algum tipo de castigo divino,
se não dos próprios
pecados, dos pecados dos ancestrais, de vidas passadas ou
do povo.
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