A maioria dos animais, e provavelmente a maioria dos organismos vivos, apresenta um ritmo biológico de descanso-atividade. O sono teve uma importância crucial no processo de adaptação e pode ter sua origem nas necessidades de proteção e de manutenção e restauração da energia dos seres vivos. Muitas espécies procuram alimento e água durante o dia porque é mais fácil ver à luz do sol. Por outro lado, quando está escuro, é o melhor momento para poupar energias, evitar ser devorado ou cair num precipício. O sono melhoraria a sobrevivência mediante a otimização das horas de atividade e descanso, além de permitir manter o cérebro mais ágil.
Longe de ser uma atividade passiva, o sono é extremamente ativo, já que o cérebro continua trabalhando a noite toda. Durante o sono ocorrem vários fenômenos em nosso corpo: produz-se uma relaxação postural característica, elevam-se os patamares sensoriais para nos desligar do ambiente e aparece um padrão distintivo de atividade elétrica cerebral. O sono possui duas grandes etapas: uma chamada NREM (sigla em inglês do Non-Rapid Eye Movement) e outra etapa chamada REM (Rapid Eye Movement). A etapa NREM tem, por sua vez, diferentes fases segundo o tipo de atividade no cérebro. Durante a noite, uma pessoa passa por essas diferentes etapas, alternando sonos leves e mais profundos. Nas primeiras horas da manhã, o sono se torna mais leve e passamos mais tempo em REM, o que significa que “sonhamos” mais.
O sono melhoraria a sobrevivência mediante a otimização das horas de atividade e descanso, além de permitir manter o cérebro mais ágil
Antes da invenção da eletricidade, o ser humano dormia cerca de três horas a mais que nas condições atuais
- O ciclo sono-vigília possui um equilíbrio que se autorregula espontaneamente desde nosso nascimento. Entretanto, uma vez alterado, é muito difícil recuperar. Estima-se que antes da invenção da eletricidade o ser humano dormia cerca de três horas a mais que nas condições atuais. A iluminação artificial e a posterior implantação do trabalho em turnos nos afastou progressivamente do ciclo natural de luz e escuridão. Os horários madrugadores da escola ou do trabalho, os programas de televisão que empurram cada vez mais os horários centrais para altas horas da noite, a consulta permanente de redes sociais e o desproporcional estresse cotidiano são alguns dos fatores que atentam contra nosso descanso. O uso de aparelhos tecnológicos em horas próximas ao momento de dormir pode dificultar a conciliação e a manutenção do sono porque provocam uma ativação da atenção. Do mesmo modo, a alerta e a luz de suas telas funcionam como estimulantes e reduzem o nível de melatonina (hormônio que se encarrega, entre outras coisas, de regular nosso relógio biológico). Como consequência dessa situação, caímos num ciclo estímulo-sedação, em que se utilizam estimulantes como a cafeína e a nicotina para a vigília durante o dia e sedativos tais como calmantes e álcool à noite para induzir o sono.
Por que não dormimos
Um dos transtornos do sono mais frequentes é a insônia. Considera-se insônia quando demoramos mais de 30 minutos por noite para começar a dormir, despertamos repetidas vezes ou por mais de meia hora durante a noite, existe baixa eficiência do sono ou ainda quando dormimos aproximadamente menos de 6 horas e meia. A presença da insônia por tempo prolongado provoca consequências negativas na qualidade de vida e, em particular, é associada a pior rendimento cotidiano, mudanças no estado de ânimo, irritabilidade e maior probabilidade de sofrer acidentes. Algumas das causas comuns da insônia são o estresse, a ansiedade e a depressão; medicamentos receitados, incluindo vários para o coração e a pressão arterial; cafeína, álcool e nicotina; condições médicas subjacentes; maus hábitos de sono; e o envelhecimento.
Embora restem numerosas perguntas, sabemos que o sono está associado a funções imunes, endócrinas, de aprendizado e memória
É essencial conhecer pontos importantes para a higiene do sono, que buscam desenvolver hábitos compatíveis com o bem dormir. Por exemplo, associar o quarto com essa atividade, eliminando dessa maneira as condutas incompatíveis com o sono, como ver TV, escutar rádio e ler livros ou revistas. O ambiente deve ter uma temperatura adequada e níveis mínimos de ruído e luz. Também deve-se evitar ingerir álcool duas horas antes de se deitar porque, apesar de ser um depressor do sistema nervoso central, o etanol conduz a um sono pouco reparador. Bebidas, alimentos e remédios com cafeína agem como estimulantes, e por isso não devem ser consumidos a partir de seis horas antes de dormir. Fumar e consumir grandes quantidades de açúcar têm o mesmo efeito. Outro conselho é não comer quando o sono é interrompido, já que criaríamos o costume de acordar toda vez que temos fome.
Fala-se de insônia quando demoramos mais de 30 minutos por noite para começar a dormir
Facundo Manes é neurologista e neurocientista (PhD em Ciências, Universidade Cambridge). É presidente do Grupo sobre Afasia, Demência e Transtornos Cognitivos da Federação Mundial de Neurologia e professor de neurologia e neurociências cognitivas na Universidade Favaloro (Argentina), na Universidade da Califórnia em São Francisco, Universidade da Carolina do Sul (EUA) e Universidade Macquarie (Austrália).
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