Na noite da quinta-feira passada, o advogado paulistano Thiago de Souza,
de 36 anos — que, apesar de viver e trabalhar em São Paulo, é um dos
integrantes da ala de compositores da Estação Primeira de Mangueira —,
publicou na internet uma marchinha que tinha feito de brincadeira com
amigos: “Ai meu Deus, me dei mal/ bateu na minha porta o japonês da
federal/ Dormia o sono dos justos, raiava o dia, eram quase seis/ Escutei
um barulhão, avistei um camburão/ O japonês então falou: vem pra cá!/
Você ganhou uma viagem ao Paraná...”
— Fiquei impressionado, é a empresa que cuida da obra de Lamartine Babo e
da maioria das marchinhas brasileiras — surpreendeu-se Thiago, que só para
este ano já compôs 14 marchinhas de cunho político. — Eu só tinha feito uma
marchinha na vida, faço mais sambas-enredo. Mas neste ano o cenário político
parece piada pronta, com personagens, enredo, tudo. A marchinha sempre se
prestou à sátira, e faz todo o sentido ela voltar neste ano como um veículo de
manifestação de ideias e usar o humor como protesto. Fiz marchinhas com
praticamente todos os personagens que apareceram no noticiário em 2015.
“Não enche o saco do Chico”
Numa delas, inventou um romance entre uma petralha e um coxinha;
em outra, fez uma espécie de “carta-resposta” da presidente Dilma
Rousseff ao vice, Michel Temer; e em outra, intitulada “Bar do Cunha”,
Thiago inventa um país em lei seca generalizada, onde só o presidente
da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, teria um bar aberto.
— Onde é que o povo vai tomar? No Cunha! — canta Thiago, já
puxando o refrão.
Na cola do “Japonês da Federal”, também virou um hit das redes a
marchinha “Não enche o saco do Chico”, do mineiro Marcos Frederico
Gomes: “Não pode, não pode/ Encher o saco do Chico Buarque/ Não
vai passar! Não vai! / Intolerante, nem por um segundo/ Cálice, filhinho
de papai/ Vai trabalhar, vagabundo!”. A letra é uma clara alusão à
discussão política entre Chico Buarque e jovens que o abordaram de
maneira agressiva, criticando-o por apoiar o governo, briga ocorrida
há algumas semanas à saída de um restaurante do Leblon — episódio
que se tornou mais uma alegoria da polarização política que impera
no país.
Para quem acha que as marchinhas que funcionam como crônica, protesto
ou pura galhofa política acabam datadas, basta lembrar de clássicos como
“O cordão dos puxa-sacos”, de 1946, que podia muito bem ter sido composta
na semana passada: “Lá vem o cordão dos puxa-sacos/ dando vivas aos
seus maiorais/ quem está na frente é passado para trás/ e o cordão dos
puxa-sacos, cada vez aumenta mais/ Vossa Excelência, Vossa
Eminência, quanta reverência nos cordões eleitorais/ Mas se o
doutor cai do galho e vai ao chão/
A turma toda evolui de opinião...”.
— Marchinha boa é atemporal — garante o maior especialista em marchinhas
do país, o pianista, produtor musical e compositor João Roberto Kelly, autor
de clássicos como “Cabeleira do Zezé” e “Maria Sapatão”, que jamais saíram
de moda. — Todo ano o meu carnaval é baseado em algum fato, e as minhas
músicas são retratos do que acontece. Até agora, deu certo. Neste ano, fiz
uma marchinha com o Pedro Ernesto, presidente do Bola Preta, sobre essa
sensação de que o dinheiro do povo sumiu. Roubaram tanto que sumiu.
“CADÊ MEU DINHEIRO?”
A marchinha chama-se “Cadê meu dinheiro?”, já foi gravada e está sendo
tocada pela banda do Cordão do Bola Preta, em apresentações pela cidade:
“Ô, ô, ô/ cadê o meu dinheiro?/ o meu dinheiro fugiu/ foi pra Marte, foi pra
Lua, ou foi pra longe do Brasil?”.
— Este ano certamente será mais farto: como a marchinha é por natureza um
gênero musical crítico, o pessoal vai se esbaldar — confirma Kelly.
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