RUAN DE SOUSA GABRIEL
A “estrada de Damasco” é a metáfora favorita dos cristãos para aconversão religiosa. Segundo a Bíblia, foi no caminho poeirento entre Jerusalém e a capital da Síria que Saulo, judeu fanático e perseguidor de cristãos, ouviu uma voz vinda do céu: “Saulo, Saulo, por que me persegues?”. Quem perguntava era o próprio Jesus, o líder crucificado da seita que Saulo queria exterminar. Aquele encontro transformou Saulo, o algoz dos cristãos, em Paulo, o apóstolo, que anunciou que o messias dos judeus também salvava outros povos. Para o escritor francês Emmanuel Carrère, a “estrada de Damasco” foi uma aldeia suíça, onde ouviu um sermão sobre uma das últimas interações entre Jesus e seus discípulos, proferido por um velho padre belga, acompanhado por um coroinha com síndrome de Down. Carrère foi “tocado pela graça”.
De volta a Paris, Carrère, um escritor boêmio e ateu, se transformou num católico devoto: ia à missa todos os dias, preenchia cadernos com seus comentários sobre o Evangelho de João e refletia sobre a doutrina da transubstanciação – aquela que afirma a real presença de Cristo na hóstia. A “estrada de Damasco”, porém, é uma via de mão dupla. Três anos, dezenas de cadernos e muita psicanálisedepois, a fé o abandonou. Passados 20 anos, Carrère voltou aos textos sagrados – não como crente, mas como escritor. Em seu novo livro, O reino (Alfaguara, 434 páginas, R$ 54,90), ele escava as ruínas de sua fé e investiga as origens do cristianismo. “Eu quis estabelecer um diálogo entre o cético que eu sou hoje e o crente que eu fui um dia.”
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