domingo, 18 de novembro de 2018

JORNALISTA DE NOVA RESENDE-MG...MOUZAR BENEDITO: "O QUE É BOKO-MOKO?"


Cultura Inútil: Chavões



O que tem a ver o Boko Haram com o boko-moko? Nada. Mas desde a primeira vez que li sobre a existência do grupo de fanáticos chamado Boko Haram, as notícias sobre ele me fazem lembrar de uma expressão dos anos 1960, boko-moko. Não me lembro como era a grafia certa, bocomoco, boco-moco… Mas lembro o significado: palerma, bobalhão, ultrapassado metido a moderninho, por aí. Não deixa de ter a ver com o Boko Haram, só que os nossos boko-mokos eram inofensivos. Mais tarde, passaram a usar “goiaba” ou “goiabão” com o mesmo sentido de boko-moko.
Das que caíram em desuso, na minha infância chegou à minha cidade : para falar de moça muito bonita: “é o tufo!”, ou mais completa ainda, “o tufo do mufurufo”. Uma menina que veio a São Paulo, quando voltou chamava o garoto que paquerava de “garoto enxuto”. Depois, já em São Paulo, ouvia (e não gostava) pessoas imitando Roberto Carlos dizendo: “é uma brasa”, ou “é uma brasa, mora!”. Nessa fase, as mocinhas diziam que o rapaz que achavam bonito era “um pão”. Aí surgiu uma gozação: “Pra ser bom, o pão tem que ser fresco”. No movimento estudantil, no final da década de 1960, quem não gostava de política era alienado. E quem não aceitava nem discutir ideias novas era “um refratário”. Nas assembleias, o orador “fazia uma colocação”. Nas discussões, às vezes fazia uma “análise de conjuntura” para dizer que seus argumentos eram científicos. Eu não gostava, dizia que se análise de conjuntura fosse mesmo algo científico, o resultado de análises de conjuntura não variaria de um analisador para outro.
Este cara está “inserido no contexto”. Mas dizia-se também “fora de série”. Uma moça que conheci juntava as duas coisas: “é genial fora de série”. E havia também uma variável para o muxoxo: “putz!” Essa acho, era uma redução de uma expressão que o Henfil usava de forma gozadora: “putzgrila!” Quando resolvi virar jornalista, fiquei sabendo de muitas expressões excomungadas nesse meio. Um professor da faculdade ficava indignado quando alguém escrevia “via de regra” ou “por outro lado”. Reservadamente (não se dizia isso em sala de aula) ele decretava: “Via de regra é a vagina, e por outro lado é o ânus”.Já ouvi parente de vítima de crime dizendo que ela “entrou em óbito”. Nos programas policiais de TV ninguém morre, entra em óbito. E o criminoso é sempre “frio e calculista”, enquanto a vítima deixou “familiares inconsoláveis”. Um fato ou pessoa foi um divisor de águas, o Zé e o Mané trocaram farpas, o moço fez das tripas coração para realizar um desejo da namorada. Outro começou com o pé direito no novo trabalho e no fim do dia respirou aliviado. Uma época, cheguei a publicar no Pasquim uma lista de expressões que articulistas de jornais e revistas usavam direto, repetindo uns aos outros e achando que estavam sendo criativos. Às vezes falavam também na TV, fazendo a maior pose. Lembro-me só de alguns chavões que critiquei.
 “Querem tapar o sol com a peneira” era outra expressão besta e corriqueira. Tal coisa era uma “cortina de fumaça”. Alguns pretensos intelectuais citavam o general De Gaulle para falar do Brasil, com desprezo: “Este não é um país sério”. De Gaulle nunca disse essa frase, mas era citado como se tivesse dito, e os mais metidos a cultos colocavam a frase em francês, para piorar. Num tempo em que viajava bastante, comprava jornais do interior e me divertia com um tipo presente em praticamente todos eles: um misto de cronista e colunista social que noticiava festas de aniversário e bailes de debutantes. Invariavelmente, escreviam sobre alguma menina da elite local: “Fulaninha de Tal colhe a décima quarta rosa no jardim de sua existência”. Sem contar que muitas vezes dizia que ela estava na “primavera da vida”. Voltemos aos chavões. Falavam que tal empresa a ser privatizada era “a joia da coroa”. Ah, essa joia da coroa foi entregue “de mão beijada” para um grupo capitalista. Quando julgava que a população o apoiava, governantes cobravam que a oposição tinha que ouvir “a voz rouca das ruas”, como dizia FHC. Por falar em governo, e as “obras faraônicas”? E o “elefante branco” que recebeu? Mas agora vai ter que “correr atrás do prejuízo”. Epa… No meio deste parágrafo, citei FHC, mas não é só ele. Não me coloquem no meio dessa briga de chavões, “petralhas x coxinhas”! Esclareço, porém, que já fui pra Cuba e numa viagem a Nova Orleans passei por Miami… Preferi Cuba, muito mais. Tanto que voltei lá anos depois, em plena crise provocada pelo fim do apoio russo.
Bem… Como no início falei de expressões que ouvi na minha terra, quando criança, então vou terminar falando de outras que podem ser consideradas chavões, mas exclusivamente locais, e da época. Nem lá falam mais.
Em Nova Resende tinha muitos “doidos” e o pessoal gostava deles. Às vezes nem eram tão doidos, apenas pessoas excêntricas, mas divertidas. O que eles falavam ou faziam virava moda. Um desses excêntricos era o Pedrinho Pedreiro, muito anterior à música Pedro Pedreiro, de Chico Buarque. Ele cumprimentava homens, mulheres, idosos, jovens, crianças, todo mundo com a expressão “oi, bem”. E essa forma de cumprimento pegou na cidade, quase todas as pessoas passaram a se cumprimentar assim. Era divertido ver um homem com cara de carrancudo falando para outro esse “oi, bem”. E o outro respondendo “oi, bem”.

Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar(2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempoquinzenalmente, às terças. 

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