Eis uma história que dizem ser verdadeira: UM BOI AMADO POR TODOS.
Baianos levaram na chacota a fuga de um boi que foi parar na praia em Salvador, mas ela é uma crítica severa à indústria agropecuária
A história do “boi afogado” em Salvador foi tratada como –mais– um caso jocoso do cabedal de histórias afeitas ao realismo fantástico
No entanto, enxergo essa narrativa bovina mais pelo viés do drama, do que
por uma linha cômica e divertida, como usualmente acomete estas plagas.
Sigamos o fio por este pasto adubado. O boi tinha 3 anos (idade que um animal desta monta já é considerado adulto). Veio da cidade de Teodoro Sampaio, no centro norte da Bahia. Era um boi de reprodução. Ou seja, passava vida numa fazenda cruzando com outras vacas ou tendo o sêmen recolhido para produzir bezerros puros, fortes e saudáveis –na lógica dos produtores, não pode haver erro nestes cruzamentos. A gestação do boi é muito longa. 283 dias. 9 meses e meio (maior que do ser humano). E, diferente de outros mamíferos, não há ninhada. Apenas um filhote por vez. O boi queria a liberdade. Passou cinco dias vagando como um animal livre, vadio, se alimentando de mato selvagem. Quando o avistaram perto do aeroporto, a cavalaria montada da polícia foi chamada para a diligência. O boi correu para o mar
No último sábado, nosso herói de 600 kg foi levado para a Fenagro para ser exposto como um boi de reprodução. Num lance de até 12 mil reais. Estava lá como um produto a ser exposto e colocado em leilão. Esperto, aproveitou o vacilo do transporte no desembarque e fugiu. Num primeiro momento, os donos até tentaram recapturá-lo, mas ele se embrenhou mata adentro para (desejo dele) não ser mais encontrado. O boi queria a liberdade. Passou cinco dias vagando como um animal livre, vadio, se alimentando de mato selvagem (ao invés da ração proteica, balanceada e servida com hora marcada nas baias).Quando o avistaram perto do aeroporto, a cavalaria montada da polícia foi chamada para a diligência. O boi correu para o mar (poético). “Ele queria ver o mar”, canta Renato Russo. O mar aqui é uma metáfora da liberdade. A imensidão do oceano em contraste com a prisão interiorana em uma fazenda de corte, leite e curtume.
O boi preferiu o exílio da morte que a recaptura. O mergulho definitivo que ceifou sua vida arrebentou o último laço que o prendia. O suicídio era uma prática comum entre os escravos quando recapturados pelos capitães do mato.
“A gente conseguiu trazê-lo para a areia três vezes, mas ele voltava. Parecia que queria cometer suicídio”, disse ao jornal Correio o fotógrafo Douglas Pedros
O boi preferiu o exílio da morte que a recaptura. O mergulho definitivo que ceifou sua vida arrebentou o último laço que o prendia. O suicídio era uma prática comum entre os escravos quando recapturados pelos capitães do mato.
“A gente conseguiu trazê-lo para a areia três vezes, mas ele voltava. Parecia que queria cometer suicídio”, disse ao jornal Correio o fotógrafo Douglas Pedrosa, autor das fotos e vídeos do animal que circularam Brasil afora.
A história, na verdade, é um libelo de liberdade e uma crítica severa à indústria agropecuária –animais alimentados para o abate, em cativeiro para reprodução continuada etc. A narrativa está pronta. Só precisa de alguém com talento para romancear e publicar.
Em seu último ato, o boi foi servido para uma multidão faminta que rasgou sua carne em cortes de açougue. Sua alma, no entanto, não foi repartida. Estava, finalmente, livre.
Parafraseando Mastruz com Leite, menestreis do cancioneiro popular:
No mar da liberdade: valeu, boi.
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