terça-feira, 6 de julho de 2021

PAPO DE CINEMA: QUEM SE LEMBRA DO FAROESTE "OS IMPERDOÁVEIS?"

 


O ÚLTIMO GRANDE FAROESTE.

Imagem de Unforgiven – Os Imperdoáveis – (1992)

OS IMPERDOÁVEIS (1992)) foi, talvez, o último filme de faroeste digno desse gênero clássico genuinamente americano, onde eram apresentados na tela os mocinhos e os bandidos do velho oeste sem glamour.

Nesse faroeste Clint Eastwood vive um ex-pistoleiro. Viúvo e pobre. Cria dois filhos pequenos num rancho até se ver forçado a voltar à ativa por convite de um principiante querendo se firmar na “profissão”. O filme reverencia o gênero ao mesmo tempo em que desmistifica o Velho Oeste, retratado como lugar sujo e brutal. Realizado em fabulosas locações em Alberta, Canadá. No final, o filme é dedicado aos mentores de Clint Eastwood como os diretores Sérgio Leone e Don Siegel, que com certeza ficariam muito orgulhosos de seu discípulo e assinariam embaixo seus feitos.

Três homens em busca de uma recompensa. Não se engane. Este não é um filme previsível. Pelo contrário, nos surpreende a cada instante. Clint Eastwood mais uma vez consegue nos envolver. Os mil dólares oferecidos, na verdade, representam a busca de três homens pelo real sentido da vida.

OS IMPERDOÁVEIS é uma desconstrução do gênero western. Os matadores de sangue frio do Velho Oeste selvagem, sempre mostrados nas telas do cinema como atiradores perfeitos, que nunca erram o tiro, como na Trilogia dos Dólares de Sergio Leone. Nesse western, vemos algo diferente. Um homem alterado pelo tempo e pela sua consciência, que não consegue montar no próprio cavalo, nem atirar direito. Seu amigo, Ned Logan, (Morgan Freeman), por exemplo, não tem mais o sangue frio de antigamente, nem mais dar um tiro letal, mesmo contra o suposto homem que teria retalhado, ou ajudado a retalhar o rosto de uma prostituta. O terceiro sofre com sua primeira morte como qualquer mortal sofre, além de ter uma visão deficiente, fazendo desses um trio de mercenários um tanto quanto humano e bem dos problemáticos.

No núcleo do filme, ver-se um xerife que humilha um homem que era conhecido como uma lenda, suas histórias estavam sendo passadas para o papel por seu escritor particular, segundo suas versões. Desmascarado, ver-se que a famosa frase “The Man Who Shot Liberty Valance” (O homem que atirou na saia da liberdade) se aplica aqui. “Quando a lenda se torna fato, publique-se a lenda.” Mas a lenda é desmistificada e o ídolo do escritor se mostra uma fraude.

Outro elemento interessante e importante do filme é como as histórias podem ser exageradas ao se passarem de boca em boca. Uma prostituta teve o rosto cortado, e, em seguida espalha-se que todo corpo dela foi cortado, menos a vagina. Impressionante como os boatos acumulam falácias em suas versões mais recentes, conforme vão passando de boca em boca no tempo. Esse pode ser um dos elementos de criação de lendas de personalidades que realizaram feitos exorbitantes no oeste, ou em outras épocas. Às vezes, nem mesmo a própria pessoa que faz tais feitos, deve saber o que fez, por estar bêbada no momento ou por fazer muito tempo e ela acaba se tornando a lenda.

Disse o personagem Lette Bill, num dos diálogos do filme, depois de perguntado por seu alvo:

“Você é William Munny, assassino que matou mulheres e crianças!”

Resposta: “Isso mesmo, já matei mulheres e crianças e quase tudo o que se rasteja, e estou aqui para matar você.”

Voltando ao filme, o final trás uma ressurreição do velho Willian Munny ao saber que seu amigo foi morto pelo xerife. Gratificação, é o que se sente ao ver Munny dar de garra da garrafa de whisky, tento-a negado o filme todo. Sua raiva e seu desejo de sangue e vingança agora são maiores do que qualquer controle. O whisky traz de volta sua mira, sua habilidade de montaria, tudo, o whisky traz de volta sua alma de matador. Ele traz de volta o oeste sanguinário que vivia adormecido em Munny, sem o oeste, sem sua alma verdadeira, ele seria incapaz de fazer tais feitos. Ele estava tão fundo em seu novo “eu”, o Willian Munny moldado por sua esposa, Anna Levine, no papel de Delilah Fitzgerald, que ele era um assassino ineficiente. Agora, o whisky foi apenas a chave para aflorar tudo aquilo que estava adormecido nele.

Clint Eastwood retornou ao gênero depois de tanto tempo sem atuar. Ele queria marcar com sua volta com algo palpável. E marcou com a maior obra-prima do western revisionista por ser exatamente um filme de não cowboys de mira perfeita e sangue frio, mas tornando as lendas do oeste, entre elas a maior delas, Clint Eastwood, mais humanos, menos super heróico, e mais realista. Deve-se aceitar, pois afinal de contas, nossos heróis envelhecem, mas as lendas não morrem.



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