Resenha de 'Didi - O gênio da folha-seca'
Didi - O gênio da folha-seca, de Péris Ribeiro. Editora Gryphus, 302 páginas. R$ 49,90
Por Marcos Penido
O futebol, na sua essência, mexe com a paixão popular muitas vezes transformada em arte. Uma magia que transcende a realidade pessoal e conquista o universo mundial. É o caso de Didi, o "Mr. Football". Maestro das seleções brasileiras nas conquistas das Copas do Mundo de 1958, onde foi eleito o melhor jogador do mundo, e 1962, onde comemorou o bicampeonato brasileiro, com passagens inesquecíveis pelo Fluminense, Botafogo e Real Madrid, o inventor da "folha seca", nasceu com o destino de ser um personagem com fome do mundo. Este mesmo mundo que soube entendê-lo, compreendê-lo, na maioria das vezes, e sobretudo, reconhecê-lo como um artista do seu ofício. Aquele que sempre soube se entender com a bola e fazer dela o seu passaporte pelo universo.
O livro "Didi - O gênio da folha seca ", de Péris Ribeiro, com um belo prefácio do jornalista João Máximo a pincelar alguns traços de Didi, nos leva a uma viagem de sonho.
No mesmo ritmo com que Didi mudava uma partida, ora valsando, ora sambando, sempre inventando e criando, o livro flui em um tempo de grandes mudanças no Brasil., com destaque para um certo ufanismo em sua linguagem. É bom até pelos seus registros, muito bem pesquisados. E serve para quebrar um certo preconceito existente contra o jogador do futebol: o de que ele não sabe pensar. Valdir Pereira, nascido em Campos dos Goytacazes em 8 de outubro de 1928, falecido em 12 de maio de 2001, teve uma vida para mostrar que talento, inteligência e riqueza não são privilégios de ninguém. Pertencem a quem de direito. Sob o singelo apelido de Didi, ele mostrou ao mundo que sempre pensou e sempre soube o que fazer desde a mais tenra idade. São estes detalhes, os seus comentários pessoais e o de grandes cronistas da época, que nos dão uma dimensão do quanto o craque conseguiu transcender.
Um pequeno exemplo pode ser medido pelo que disse após ver a Copa do Mundo de 1958 o francês Gabriel Hanor, do jornal "L'Equipe" e da revista "France Football": "Esse homem é, na verdade, uma pérola negra muito rara e valiosa, que todo amante do bom futebol deve procurar ver e relembrar para todo o sempre. Afinal, não é muito comum aparecer um jogador com tais virtudes, em qualquer parte que seja. E Didi é a um só tempo artista, malabarista e jogador de futebol. Um passe seu de 50 metros equivale a meio gol. E quando chuta suas bolas fazem como o próprio mundo: giram, giram, giram... E traçam irremediavelmente, uma parábola fatídica para o melhor dos arqueiros".
Hanor viu o artista, o malabarista. O brasileiro Armando Nogueira viu a genialidade: "Com uma perfeita noção espacial, o exuberante Didi também é capaz de, com o seu profundo conhecimento do jogo, criar uma excepcional situação de gol. Onde, antes, ela aparentemente não existia. E esta é, sem dúvida, a grande virtude que distingue o gênio do simples talento do futebol: a capacidade de antever a jogada."
O dramaturgo Nelson Rodrigues criou um apelido inesquecível: "O Príncipe Etíope", tal a elegância com que Didi criava uma jogada. Elegância esta, que levava para fora de campo. Que criou ciúmes com a primeira mulher, e o levou à irresistível cantora baiana Guiomar, paixão de sua vida. Sim, por obra e graça do destino, Didi tinha o dom de ser elegante sem abrir mão da firmeza em suas convicções. Chegou a ser escândalo e ganhar página de revistas o fim do primeiro casamento e a união com Guiomar. Ele encarou a briga com a diretoria do Fluminense ao pedir que não descontassem de seu salário a parte que tinha que ser descontada para a sua primeira mulher. Queria ele, Didi, dar o dinheiro. No Fluminense não conseguiu e acabou de armas e bagagens no Botafogo, na maior transação do futebol brasileiro na época. Lá, ele recebia o salário e pagava religiosamente o que devia à primeira mulher. Mas não era descontado no salário. Personalidade forte, o novo e eterno amor com o Botafogo e a vida amorosa, animada e agitada com Guiomar, que lhe renderam dois belos frutos, as filhas Rebeca e Lia, marcaram uma grande fase de sua vida.
Em uma época em que o futebol espanhol anda em alta com salários milionários, Didi chegou a ser um deles. Com seu futebol mais que conhecido no mundo, foi cobiçado pelo todo poderoso Real Madrid, o mesmo dos galácticos atuais. Contratado a pesetas de ouro, Didi foi formar parte de um esquadrão que tinha o brasileiro filho de espanhol Canário, na ponta direita, Didi, Di Stefano, Puskas e Gento. Didi teve um bom início, mas o choque com o dono do time, o argentino Alfredo Di Stefano, também foi rápido. Bem interessante no livro são algumas declarações de Didi, do presidente do clube, e de Di Stefano. A política do ditador Francisco Franco também intervinha no futebol. Didi nem se abalou. De armas e bagagens voltou ao Botafogo e à carreira de sucesso.
Muitas viagens depois, a idade chegando, Didi se preparou para uma nova aventura: ser técnico de futebol. Não conseguiu realizar o seu sonho de comandar a seleção brasileira. Mas teve passagens pela Turquia, outros países e trilhou o mundo. O maior destaque foi comandando a seleção peruana na Copa de 1970. Nas eliminatórias ganhou da Argentina em pleno Monumental. Quis o destino que na Copa de 70, cruzasse no seu caminho o Brasil, que voltaria a conquistar mais um título mundial. A seleção peruana foi derrotada por 4 a 2, mas alguns de seus jogadores, como Cubillas e Chumpitaz, ganharam nome no mundo. No Fluminense de Francisco Horta, Didi chegou a comandar a chamada máquina. A personalidade e a elegância de sempre. Reza a lenda que, uma vez, um dos jogadores chutou com violência uma bola em sua direção, tentando pegá-lo de surpresa. Didi matou a bola no peito e a devolveu com um leve toque, com um olhar de desdém para o esperto.
O livro mostra bem o que Didi representou. Seu jeito de ser, traduzido em campo com a máxima: "treino é treino, e jogo é jogo". O livro é um grande jogo para quem quer conhecer a dimensão humana de quem foi muito além do futebol.
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