terça-feira, 13 de dezembro de 2022

CULTURA: NINGUÉM SABE TUDO E NINGUÉM SABE NADA!



Remediando 

Crédito da foto: Vanessa Tenor

Aldo Vannucchi 

ao Blog do Oswaldo:

Certa vez, eu era menino, estava na farmácia vizinha de casa, e vi um sujeito -- pelo traje, vinha do sítio -- que chegou ao balcão e entregou a receita com um vozeirão: “veja aí pra mim esses apetrechos”. O farmacêutico estrilou: “ali não era loja de nenhuma ferramenta”, mas foi à prateleira, de receita na mão, para pegar os medicamentos receitados.

Escrevi medicamentos. Seguindo a prática popular, seriam remédios. Apetrechos, nunca. Foi grosseria daquele sujeito. Mas há diferença entre remédio e medicamento? Literalmente, tanto um como o outro são palavras que vêm do verbo latino mederi = medicar, cuidar, mas, no dicionário médico, elas se diferenciam. Remédio se diz de qualquer tipo de substância ou prática não concebida para uso terapêutico, mas com virtudes e efeitos curativos. Já medicamento identifica algo manipulado, especificamente, para o bom tratamento do nosso organismo, corpo e mente. Falando com precisão, medicamento se associa à produção industrial, em larga escala, enquanto o remédio se mostra um recurso pessoal, caseiro. Assim, chá pode se tomar como remédio, enquanto antibiótico só pode ser medicamento.

No linguajar comum, não respeitamos muito essa diferença, mas estamos errados? Erro mesmo, que deveríamos evitar, é esse costume de ir à farmácia para “tirar” a pressão. Pressão não se tira, mede-se, me lembrou outro dia um farmacêutico amigo.

Essa conversa medicamentosa ou remediense me traz à lembrança o uso do jargão, o vocabulário próprio de determinado grupo sociocultural ou profissional, meio incompreensível para os não iniciados. Médicos, por exemplo, não falam dor de cabeça, para eles é cefaleia. Réu, em processos advocatícios, é indigitado e exordial nada mais que uma petição inicial. Se passarmos então ao mundo religioso, encontraremos o beato, o bem-aventurado, um quase santo ainda não canonizado, nada a ver com o carola, rato de sacristia.

Não se pense, porém, que só categorias estudadas têm seus códigos. Quando construí minha casa, o pedreiro me avisou, em certa altura da obra, que iria fazer a sanca. Pedi que me explicasse. A vida inteira nunca eu havia topado esse termo. Só então aprendi: sanca é aquela modelagem de gesso usada no encontro das paredes com o plano do teto.

A conclusão óbvia desse meu aprendizado episódico é que ninguém sabe tudo e ninguém sabe nada. Ou, como repetia Paulo Freire, não há saber mais nem saber menos; o que existe são saberes diferentes. Daí os diversos vocabulários, todos respeitáveis, desde que respeitem também o interlocutor do outro ambiente de vida.

Estava eu terminando esta crônica, e vi na internet que hoje é o Dia Mundial da Osteoporose, essa coisa de ossos porosos, prontos para temíveis fraturas, em pessoas de idade avançada, de qualquer canto da terra. Como em toda doença, logo vem a pergunta: -- Tem cura? Sei lá, não sou médico, mas já ouvi falar que sucos e vitaminas de certas frutas, como laranja e mamão, e chás de algumas ervas ou plantas são remédios milagreiros. Remédios, não medicamentos.

Aprendida a diferença entre os dois e respeitado o jargão dos profissionais da área da saúde, acho que a melhor atitude perante aqueles “apetrechos” do citado sitiante seria repetir o sábio provérbio “rir é o melhor remédio”.

Aldo Vannucchi é mestre em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e licenciado em Pedagogia. Autor de diversos livros, foi professor e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba (Fafi) e reitor da Universidade de Sorocaba (Uniso) -- aldo.vannucchi@uniso.br


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