3. Dialética, de Vinicius de Moraes
É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...
Conhecido carinhosamente como "Poetinha", Vinicius de Moraes (1913 — 1980) foi um dos nomes mais marcantes (e mais amados) da poesia e da música brasileira.
Os versos do carioca são atravessados pela beleza e pela delicadeza, capazes de expressar inúmeras emoções humanas. No poema, encontramos um sujeito que está sendo dominado pela melancolia.
Por mais que tenha consciência de todas as coisas boas que existem no mundo e procure se lembrar delas, ele continua enfrentando momentos de tristeza que não pode evitar.
4. Assim eu vejo a vida, de Cora Coralina
A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.Cora Coralina
Ana Lins dos Guimarães Peixoto (1889 — 1985), que se tornou célebre com o pseudônimo literário Cora Coralina, foi uma notória escritora goiana que publicou o seu primeiro livro depois dos 70 anos.
Na composição acima, o eu-lírico faz uma espécie de balanço sobre a vida, pesando o que aprendeu com ela e que lições pode passar adiante.
Na sua opinião, devemos compreender que o nosso percurso terá coisas ruins e coisas boas e que nem tudo será perfeito. Na visão deste sujeito, o segredo é aprendermos a lidar com as dificuldades e crescermos graças a elas.
5. Brisa, de Manuel Bandeira
Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.
Manuel Bandeira (1886 — 1968), o poeta, tradutor e crítico nascido no Recife, é outro nome incontornável da literatura brasileira.
Além de abordar temas do cotidiano e ser atravessada pelo humor (com os "poemas-piada"), a sua produção lírica também é marcada pelos sonhos, fantasias e sentimentos do ser humano.
Neste poema, o sujeito se dirige à amada e demonstra ter uma visão idílica e profundamente romântica da vida. Entregue à paixão avassaladora que sente, ele quer deixar tudo para trás e fugir com Anarina, já que acredita que nada é mais importante que o amor.
Escute o poema musicado na voz de Maria Bethânia:
6. Dorme, que a vida é nada, de Fernando Pessoa
Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
Achou-a em confusão,
Com a alma enganada.Não há lugar nem dia
Para quem quer achar,
Nem paz nem alegria
Para quem, por amar,
Em quem ama confia.Melhor entre onde os ramos
Tecem dosséis sem ser
Ficar como ficamos,
Sem pensar nem querer.
Dando o que nunca damos.
Um dos autores mais brilhantes de toda a literatura de língua portuguesa, Fernando Pessoa (1888 —1935) foi um escritor e crítico literário nascido em Lisboa que é lembrado sobretudo pela vastidão da sua poesia.
Grande parte das suas composições eram assinadas por heterônimos, reproduzindo diversas influências literárias, com destaque para o modernismo. A sua lírica também era atravessada, frequentemente, por reflexões existenciais pessimistas e disfóricas.
Aqui, o eu-lírico é alguém sem esperança, rendido ao absurdo e à fragilidade da vida. Na sua opinião, já não vale a pena tentar mais nada, nem sequer o amor, porque tudo está condenado à partida.
7. Viver, de Carlos Drummond de Andrade
Mas era apenas isso,
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projecto de abri-la
sem haver outro lado?O projecto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?
Um dos maiores poetas do panorama nacional, Drummond (1902 — 1987) foi um escritor mineiro que pertenceu à segunda geração do modernismo brasileiro.
As suas composições se destacavam pelo uso de temáticas e vocabulário cotidianos, assim como pelo intimismo e pelas reflexões sobre o sujeito e o mundo.
O poema acima transmite a impressão de que a vida é, afinal, uma espera, um ato que foi ensaiado pelo sujeito, mas que nunca se concretizou realmente.
Analisando o seu percurso até ali, eu-lírico aparenta estar desanimado e confessa que não consegue encontrar esperança e nem entende como é suposto fazê-lo.
8. Desenho, de Cecília Meireles
Traça a reta e a curva,
a quebrada e a sinuosa
Tudo é preciso.
De tudo viverás.Cuida com exatidão da perpendicular
e das paralelas perfeitas.
Com apurado rigor.
Sem esquadro, sem nível, sem fio de prumo,
traçarás perspectivas, projetarás estruturas.
Número, ritmo, distância, dimensão.
Tens os teus olhos, o teu pulso, a tua memória.Construirás os labirintos impermanentes
que sucessivamente habitarás.
Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.
Não te fatigues logo. Tens trabalho para toda a vida.
E nem para o teu sepulcro terás a medida certa.Somos sempre um pouco menos do que pensávamos.
Raramente, um pouco mais.
Cecília Meireles (1901 – 1964) foi uma escritora, educadora e artista visual nascida no Rio de Janeiro. Ela continua sendo uma das favoritas dos leitores brasileiros, devido à sua poesia confessional que abarca temas universais como a solidão e a passagem do tempo.
Este poema parece estabelecer uma ligação entre viver e desenhar: cada um pintaria, então, o seu próprio destino e a sua forma de estar no mundo.
A imagem terá vários tipos de linhas e curvas, porque a vida é múltipla e suas circunstâncias são transitórias, nada é realmente permanente. Por isso, o sujeito defende que não devemos pensar em nós mesmos como desenhos estáticos, mas como figuras que vão se alterando com o tempo, estando em eterna construção.
9. Alcoólicas, de Hilda Hilst
I
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livro da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha púmblea, me casaco rosso
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida é líquida.II
Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é líquida.
Hilda Hilst (1930 — 2004) foi uma escritora nascida no estado de São Paulo que ficou eternizada principalmente pelos seus versos irreverentes, que se focavam em temas considerados tabus, como o desejo feminino.
Neste poema, a autora se debruça sobre a complexidade da vida, aqui referenciada como algo em estado líquido, semelhante à água e ao álcool. No entender deste sujeito, a vida flui, mas também pode ser pesada, difícil, pode machucar.
A solidão e o estado depressivo deste eu-lírico parecem resultar na procura de um estado de embriaguez como forma de tentar esquecer o sofrimento.
10. Eu-Mulher, de Conceição Evaristo
Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.Conceição Evaristo
Conceição Evaristo é uma poetisa importante que nos brinda com poemas sensíveis e impactantes ao mesmo tempo.
Aqui vemos uma celebração à força e a natureza feminina. Com imagens que evocam a fertilidade, Conceição traça um paralelo com a gestação, os ciclos e o corpo das mulheres com a própria vida.
11. Pedra Filosofal, de António Gedeão
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
Rómulo Vasco da Gama de Carvalho (1906 —1997), conhecido pelo pseudônimo António Gedeão, foi um poeta e educador nascido em Lisboa que se destacou no panorama literário português.
No poema apresentado acima, o eu-lírico declara que os sonhos são o grande motor da vida. Quando damos asas à nossa imaginação, podemos iniciar novos caminhos para nós mesmos e até, quem sabe, mudar o mundo em redor.
Assim, os versos de Gedeão nos incentivam a sonhar, não importa qual seja a nossa idade, com o entusiasmo e a curiosidade de uma criança brincando.
12. Sendo eu um aprendiz, de Bráulio Bessa
Sendo eu um aprendiz
A vida já me ensinou que besta
É quem vive triste
Lembrando o que faltouMagoando a cicatriz
E esquece de ser feliz
Por tudo que conquistou
Afinal, nem toda lágrima é dor
Nem toda graça é sorriso
Nem toda curva da vida
Tem uma placa de aviso
E nem sempre o que você perde
É de fato um prejuízoO meu ou o seu caminho
Não são muito diferentes
Tem espinho, pedra, buraco
Pra mode atrasar a genteMas não desanime por nada
Pois até uma topada
Empurra você pra frenteTantas vezes parece que é o fim
Mas no fundo, é só um recomeço
Afinal, pra poder se levantar
É preciso sofrer algum tropeçoÉ a vida insistindo em nos cobrar
Uma conta difícil de pagar
Quase sempre, por ter um alto preçoAcredite no poder da palavra desistir
Tire o D, coloque o R
Que você tem ResistirUma pequena mudança
Às vezes traz esperança
E faz a gente seguirContinue sendo forte
Tenha fé no Criador
Fé também em você mesmo
Não tenha medo da dorSiga em frente a caminhada
E saiba que a cruz mais pesada
O filho de Deus carregou
Bráulio Bessa (1985) nasceu no estado do Ceará e se define como um "fazedor de poesias". O cordelista e declamador nordestino se tornou um êxito da literatura popular brasileira quando começou a divulgar o seu trabalho através de vídeos que publicava na internet.
Nos versos acima, o poeta utiliza uma linguagem simples e cotidiana para transmitir uma mensagem de esperança e superação para todos aqueles que escutam. Embora a vida seja, sim, cheia de dificuldades, ela também guarda coisas boas para nós.
Por isso, é importante sermos resilientes e nunca baixarmos os braços, seguirmos nossa caminhada com força e fé, porque só assim poderemos vencer os desafios que surgem.
O poema foi declamado durante o programa Encontro com Fátima Bernardes, exibido na TV Globo, e conquistou o coração do público nacional. Confira o vídeo:
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