Explode no Brasil a violência que
opõe os defensores de testes científicos com animais àqueles que querem
proteger os bichos a todo custo
Um dos cientistas mais brilhantes do planeta, o britânico Colin
Blakemore começou sua carreira fazendo algo que a muitos pareceria uma
inadmissível crueldade: ele costurava os olhos de gatinhos recém-nascidos. Fez
isso por anos em seu laboratório na Universidade de Oxford, onde é hoje
professor de neurociência. Ele privava totalmente os bichinhos da visão para
observar como se comportaria, nessas condições, uma parte específica do cérebro
deles, o córtex. Sua pesquisa foi fundamental para entender a forma mais comum
de cegueira infantil, a ambliopia, e ajudar a preveni-la. Estima-se que existam
no mundo 15 milhões de crianças menores de 5 anos de idade com essa doença. A
partir da observação do desenvolvimento do cérebro dos gatinhos, Blakemore
também ajudou a revelar a capacidade de as conexões nervosas se reorganizarem.
Conhecido como “plasticidade cerebral”, esse conceito ajuda a entender por que
pessoas que sofreram algum tipo de lesão neurológica, como um derrame,
recuperam a capacidade de se movimentar e falar. A plasticidade também explica
como se forma a memória e como aprendemos a ler e escrever.
Pela importância das duas descobertas, Blakemore se tornou um dos mais
poderosos e respeitados cientistas do mundo. Ao mesmo tempo, virou a figura
mais odiada pelos ativistas dos direitos animais do Reino Unido. Sua vida
tornou-se um pesadelo. Passou a receber pacotes de falsas bombas endereçadas a
seus filhos. Era constantemente abordado e insultado na rua por ativistas
mascarados. Outros, com e sem máscara, se reuniam diariamente em frente de seu
portão e hostilizavam sua família. Sua mulher teve depressão e tentou suicídio.
Blakemore foi acusado por uma vizinha de roubar seu gato e guardá-lo no
congelador de sua geladeira. Por causa das ameaças de invasão para resgatar o
tal gato, Blakemore obteve na Justiça uma ordem que a mantém a 100 metros
distante de sua casa. Certa vez, jogaram um produto químico em seu carro e
atingiram o gato que pertencia a seus filhos, causando queimaduras severas. Por
mais de uma década, os ataques foram constantes. Hoje, diminuíram. Sua casa,
ainda, tem botões de pânico, fechaduras triplas e um quarto secreto, onde ele
pode se esconder com a família em caso de invasão.
Grupos radicais que afirmam defender os direitos dos animais e usam
táticas terroristas para passar seu recado são comuns na Europa e nos Estados
Unidos há pelo menos duas décadas. O britânico Frente pela Libertação dos
Animais (ALF, na sigla em inglês) é um dos mais violentos. Um de seus
principais ativistas, Greg Avery, está preso desde 2009, com uma sentença de
nove anos, por ter articulado uma campanha de intimidação criminosa contra um
laboratório de testes farmacêuticos. Os ataques eram feitos contra os
funcionários e seus familiares. Seu grupo chegou a mandar cartas anônimas para
vizinhos de um cientista, “denunciando-o” como pedófilo. A ALF pode ser
considerada a grande inspiradora do ataque recente ao Instituto Royal, em São
Paulo, um dos cinco centros de referência brasileiros para pesquisas de
medicamentos em animais.
Na madrugada do dia 18, sexta-feira, diante dos olhos complacentes da polícia,
os ativistas entraram no prédio do Instituto Royal, no município de São Roque,
e soltaram 178 cães da raça beagle, usados em testes de remédios para doenças
como câncer, diabetes, hipertensão e epilepsia. Também levaram sete coelhos.
Eles afirmam que os animais sofriam maus-tratos – o Instituto Royal nega. As
pesquisas feitas ali estavam dentro das leis e dos protocolos científicos
estabelecidos pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Com os bichos, sumiram
documentos e pen drives com dados dos experimentos. O laboratório foi
depredado. Os invasores quebraram equipamentos caros e jogaram substâncias
usadas nas pesquisas no chão. “Nunca vi nada parecido em 30 anos de ciência”,
afirma João Henriques, diretor científico do Royal. “Testávamos medicamentos
para o bem-estar humano, e, agora, uma década de trabalho foi perdida.” O
médico Marcelo Marcos Morales, coordenador do Conselho Nacional de Controle de
Experimentação Animal (Concea) e secretário da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência, afirmou o seguinte sobre o episódio: “Um trabalho que
demorou anos para produzir foi jogado no lixo. O prejuízo é incalculável para a
ciência e para o benefício humano”.
O caso do Instituto Royal não foi o primeiro ato de violência dos defensores de
animais no Brasil. A ALF se gaba de ter invadido no passado laboratórios da
Universidade de São Paulo e da Universidade Federal de Santa Catarina. No
primeiro, para sabotar pesquisas sobre malária. No outro, impedindo
experimentos com animais para tratamento de tuberculose. No mundo todo, a ALF
contou 224 ações pró-animais em 2012. Neste ano, ocorreram 192. O site Bite
Back (Morda de volta) acompanha o avanço da guerrilha contra a ciência a partir
de um site hospedado na Malásia, onde a Justiça ocidental não pode atingir seus
editores.
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