sábado, 25 de janeiro de 2014

WALDEMIRO GREMSKI, REITOR DA PUCPR:" AFIRMA QUE A FÉ AJUDA O CIENTISTA"


  

O professor Waldemiro Gremski reitor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) deu na Gazeta do Povo uma entrevista feita pelo repórter Jônatas Dias Lima.  Falando de ciência e fé, haja vista sua formação em História Natural, com doutorado em Histologia e pós-doutorados na Suécia e nos Estados Unidos. E é um católico convicto. Na infância, estudou em um seminário, de onde saiu para fazer faculdade. Na entrevista, que vocês conferem abaixo, fala-se um pouco da sua carreira, de como as universidades podem ajudar a construir pontes entre ciência e religião, e sobre como a PUCPR vai lidar com o tema em sua gestão.
Como foi essa transição do seminário para a vida científica e acadêmica?
Um aspecto importante em minha vida é a formação religiosa familiar. Venho de uma família polonesa extremamente religiosa, tanto que acabei indo para o seminário, com 11 anos, e fiquei até os 19. O seminário teve uma influência muito forte na minha vida, principalmente em termos de entender a fé como algo do dia a dia, e não como algo confinado a ritos, a ir à missa, esse tipo de coisa. Nesse sentido, os padres foram muito importantes em minha formação no seminário, e foi de lá que veio aquela visão de que é possível viver a vida científica, como pesquisador, sem que haja dificuldade com a fé.
Algum professor do seminário, em especial, contribuiu para despertar seu interesse pela ciência?
Desde o ensino fundamental, que naquela época chamávamos “primeiro grau”, sempre tive predileção por Ciências. Mas, no ensino médio, ou “segundo grau”, tive um professor leigo, um estudante de Medicina em Curitiba que nos dava aula de Biologia, que foi muito importante. Era uma pessoa extraordinária, para muito além da sala de aula. Apesar das limitações, conseguia introduzir elementos práticos; para aprender Zoologia, por exemplo, saímos a campo para buscar insetos, borboletas, ou íamos ao Passeio Público observar os animais; também saíamos para estudar Botânica… ele de fato foi uma pessoa importante para minha vocação científica. Posso dizer que talvez mais de 90% dos ex-seminaristas que conheço, que estudaram comigo, foram para a área de Humanas, fizeram Letras, Direito, Comunicação. Sinceramente não sei de nenhum outro – acho que fui o único – a ir para a área das ciências.
E como foi o começo de sua carreira nas ciências e na universidade?
Fiz minha graduação na Universidade Católica do Paraná, que hoje é a PUCPR, no fim dos anos 60. Dom Manuel [da Silveira d’Elboux, arcebispo de Curitiba entre 1950 e 1970] tinha fundado a universidade em 1959, pegando as faculdades católicas de Curitiba e unindo-as numa universidade. Cada faculdade estava a cargo de uma congregação, então foi uma transição demorada até haver uma administração única. A universidade mesmo só se firmou em 1973. Eu estudei na Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras, que ficava perto do Teatro Guaíra. Os professores eram bons nomes da sociedade, Rudolf Lange, Ralph Hertel, mas não havia pesquisa. Isso fez com que, assim que eu terminasse a faculdade em 1969, já no ano seguinte eu fosse para a Federal, onde havia pós-graduação em Bioquímica. Meu grande objetivo era, na verdade, a Histologia, mas não havia essa pós aqui, então fui à Bioquímica. Estava quase me rematriculando quando alguém de São Paulo que estava visitando Curitiba me disse: “A USP está abrindo um doutorado em Histologia, por que você não vai para lá?” Peguei o ônibus naquela mesma noite e deu tudo certo. Redirecionei minha história para São Paulo, onde fiquei por quase quatro anos e de onde saí com o doutorado em Histologia, em 1976.
Posso dizer que a USP fez minha cabeça em termos de universidade. Eu me considero um uspiano, a USP é para mim aquilo que chamam de alma mater, aquela universidade que lhe deu aquilo que você em certo aspecto é e será sempre. Lá entendi o que realmente é uma universidade, o que ela deve ser, qual o problema da universidade no Brasil, o que é a ciência… Vinha muita gente do exterior. Estamos brigando aqui pela internacionalização, e já nos anos 70 a área biomédica da USP não passava um mês sem trazer alguém de fora do país. Isso nos abriu os olhos para a ciência internacional, e foi daí que surgiu meu primeiro pós-doutorado, na Suécia: um pesquisador de lá veio para a USP, se interessou pelo meu trabalho e me convidou. Nesse meio tempo voltei para a UFPR para trabalhar, como concursado. Foi nos anos 70 que a UFPR começou a se voltar para a pesquisa, até então era quase exclusivamente voltada ao ensino. Fiz outro pós-doutorado nos EUA, nos anos 80, e ainda voltei para lá nos anos 90. Também lidei com gestão universitária a partir da década de 80, tanto na UFPR quanto no Ministério da Educação. Foi fantástico trabalhar com o Cristovam Buarque, e lá criamos o que viria a ser o ProUni.
À exceção da PUCPR, toda a sua carreira foi desenvolvida em ambientes laicos. Havia algum tipo de discussão sobre ciência e fé, ou estranhamento por parte dos colegas, superiores e alunos?
Não havia patrulhamento nenhum, tanto que o Instituto Ciência e Fé, que hoje é dirigido pelo professor Aroldo Murá, surgiu no ambiente da UFPR, tendo à frente Newton Freire-Maia, um católico muito importante, e com a participação de pessoas da área de Humanas da UFPR, além de membros da Católica. Não havia essa conversa de “olha, isso aqui não tem nada a ver, Deus não existe”. Eu rezava o Pai-Nosso antes de começar minhas aulas na UFPR e nunca houve protesto ou reclamação na direção.
A fé, em geral, era vista como algo perfeitamente corriqueiro. Mesmo na UFPR existiam e existem movimentos ligados à fé. Quando estive lá, no próprio setor de Ciências Biológicas havia um grupo que toda terça-feira se reunia para rezar e conversar sobre religião. Era um grupo ecumênico, com gente de várias linhas religiosas. O grupo da UFPR era bem eclético, de funcionários da limpeza até pesquisadores. O Natal e a Páscoa na Federal eram celebrados na capela, com padre rezando missa. A universidade tinha capelão, o padre Gusvato, um jesuíta extremamente culto, capelão da UFPR e da Casa do Estudante Universitário, onde morava e da qual só saiu por causa de uma doença. Outro caso é o da professora Glaci Zancan, um nome respeitado nacionalmente tanto do ponto de vista científico quanto de liderança voltada para a política científica. Nunca a vi falando de religião, mas, quando ela faleceu, no velório havia muitas freiras que trabalhavam com crianças abandonadas, meninas em risco, e descobrimos que ela destinava parte do salário a esse trabalho. Conversando com as irmãs soube que a Glaci ia lá, assistia à missa…
Hoje, talvez como fruto do mundo que vivemos, existe mais uma “patrulha laica”. Acho que esse processo começou em meados dos anos 2000, principalmente depois do 11 de Setembro. Foi quando começaram a querer tirar crucifixos e outras ações semelhantes. Não sou contra Estado laico; o Estado tem de ser laico, mas o laicismo não pode virar fundamentalismo. Hoje, rezar antes da aula com certeza daria até processo.
E no exterior? A Suécia é um país altamente laicizado, já nos EUA há uma polarização forte que se reflete também na discussão sobre ciência e fé…
A fé na Suécia é um caso complicado. Era assim nos anos 70 e, pelo que sei dos amigos que mantive lá, continua igual. Levamos um mês pra descobrir onde havia missa. E, quando achamos, era um porão de um estabelecimento comercial em que uma vez por semana um padre celebrava. As igrejas de Estocolmo, quase todas protestantes, no fundo são pontos de visitação turística. Nos Estados Unidos fiquei em Connecticut, um estado bem conservador, com forte presença judaica e baixo número de católicos, embora a paróquia local estivesse sempre cheia de gente e tivesse catequese para minhas filhas. Dentro da universidade discutia-se questões de ciência e fé; há essa tradição americana e europeia das palestras e debates do meio-dia, anunciados em murais, e os temas podiam ser bem profundos. A Universidade de Connecticut é referência internacional em pesquisas sobre experiências de quase-morte, por exemplo. Mas vi debates sobre “Gênesis sim, Darwin não”, discussões sobre o papa João Paulo II… Na questão da pesquisa, havia suspeitas de que certas agências privilegiavam alguns segmentos com base em crenças religiosas. Veja o caso de George W. Bush, que barrou ao máximo a pesquisa com células-tronco embrionárias nos EUA durante seu governo. Em alguns casos percebíamos que havia coisas acontecendo relacionadas à fé, mas uma fé colocada como algo que se sobrepunha à ciência. Os EUA têm, realmente, essa característica.

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