quinta-feira, 23 de novembro de 2017

NUM GRANDE BRASIL A MISÉRIA É GRANDIOSA POR CAUSA DA CORRUPÇÃO!


 Sofre com a seca de Alagoas, apesar de estar a 20 km do Rio São Francisco, e possui uma taxa de mortalidade infantil quase igual à de Angola.
Por Leonardo Sakamoto | Categoria(s): 

                                José Bezerra perdeu seis filhos por causa da seca

História real de pobre que sofre neste Brasil:

Os anos se passaram e ela cismou em ficar do mesmo tamanho. Talvez por causa da água e da comida. Ou da falta de ambos. Certo mesmo é que adoeceu. O pai, desesperado, correu de um lado para o outro e levou-a para se tratar. Diarreia, disenteria, olhar longo, profundo, perdido. Os doutores fizeram o que podiam e mandaram-na de volta para casa. Naquela tarde, rastejou pelo chão da sala, agonizando. Maria avisou ao marido que a criança estava indo embora. Mas sabiam que de nada adiantaria, pois há tempos a fome vinha comendo-a por dentro. Então, José, resignado, foi à cidade fazer a única coisa que estava ao seu alcance: pedir uma caixão emprestado. Quando voltou, a filha já estava morta.
Maria deu à luz sob o olhar insuspeito de uma vaca e um jegue – figurante sempre presente nessas ocasiões há quase dois mil anos. José acompanhava a cena de perto, amparado pelas paredes de barro e um cigarro de palha. A fumaça esbranquiçada fugia pela porta e fundia-se à paisagem queimada de sol. A pele do bebê à lavoura, que morreu ainda no pé por carência d`água. Mal presságio. Ao contrário da outra criança – do outro José com a outra Maria – não recebeu reis, muito menos presentes. Contudo, para ambos o destino deu-se logo a conhecer.
Essa cena se repetiria mais cinco vezes na vida da família Bezerra. Assim como eles, muitos Joses e muitas Marias têm enterrado a fome de seus filhos pelo nordeste brasileiro, castigado com uma das piores secas das últimas décadas. Essa história tem sido uma constante nos últimos anos no município de São José da Tapera, sertão das Alagoas.
No ano passado, a Organização das Nações Unidas divulgou o ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, de quase cinco mil municípios do país. São José aparece em último lugar, com uma taxa de mortalidade infantil de 147,94 mortes por 1000 nascidos. Para se ter uma idéia do que é isso, Angola, país há quase 25 anos em guerra civil, coberto por nove milhões de minas terrestres e que foi recentemente considerado pela ONU o pior lugar para uma criança viver em todo o mundo, apresenta uma taxa de 170 para mil.
Quem visita o centro urbano de São José da Tapera não imagina que essa é uma das cidades mais pobres do Brasil. Banco, farmácias, mercados, feira livre. Uma bela praça, parque infantil, lanchonete. Porém, lá vivem menos de 20% dos quase 30 mil moradores. O resto está espalhado em aproximadamente 60 povoados, neste que é o segundo maior município do estado. A família Bezerra mora em um desses vilarejos, Furnas. Na verdade, um amontoado de pequenos sítios onde dezenas de casas de taipa e madeira salpicam a paisagem, habitadas por alguns barbeiros e muitas pessoas.
Falta água, falta emprego
O único braço de água que atravessa Furnas e região chama-se Riacho Grande: largo, sinuoso, longo… e seco. Assim como em todo o sertão, um rio temporário que existe quando há chuvas, ou seja, quase nunca. A maioria das comunidades não dispõe de poços artesianos e são obrigadas a cavar cacimbas no leito seco para conseguir alguma coisa. Por azar, devido a depósitos minerais, a água, barrenta, sai salobra da terra.
Até pouco tempo atrás, essa água era utilizada para beber, lavar roupa, fazer comida e alimentar o gado. Problemas de saúde era o que não faltava, principalmente entre as crianças, com o organismo já fraco devido à fome. Em esquema de emergência, o Exército junto às autoridades locais têm levado caminhões-pipa aos locais mais atingidos pela seca. No Estado de Pernambuco, trens partem carregados de água em direção ao interior para tentar suavizar a situação.
A Visão Mundial, entidade internacional de assistência, construiu 35 cisternas na região, reservatórios de alvenaria com capacidade para 10 mil litros. Várias famílias têm então que se virar com essa quantidade por meses a fio até que o próximo carregamento chegue. Teodoro Félix da Costa e sua mulher Maria Rita foram os primeiros a receber a cisterna em sua comunidade. "Eu buscava água salgada até três meses atrás. Criança já chegou a morrer por causa dela". E ele sabe de perto o que é isso, uma vez que perdeu quatro filhos – todos com menos de um ano de idade.

Porém, essa água não é suficiente para a agricultura, quase que de forma exclusiva dedicada à subsistência. O céu ainda é a única fonte de irrigação para essa gente. Em junho, chamado por lá de "mês de São João", choveu um pouco, esverdeando a paisagem. Plantações foram feitas, esperando que a água continuasse. Infelizmente, não continuou e boa parte da colheita ficou comprometida. Os produtos mais cultivados são o feijão e o milho. Cena comum são os milharais que permaneceram baixinhos, espigas nanicas ainda em fase de crescimento. Quem conseguiu tirar algo do roçado, por pouco que seja, está satisfeito. Há famílias que perderam tudo e agora esperam a divina providência ou a ajuda do governo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário