sexta-feira, 11 de março de 2022

COMO OS JOVENS ADULTOS ESTÃO MATANDO A LITERATURA!

 



Ela é perfeita ela nasceu sabendo tudo ela não erra. Ela é um porre.

Desde tempos imemoriais heróis são alvo de problematizações, de todos os lados. Pode ser gente dizendo que heróis criam expectativas irreais para jovens impressionáveis, pode ser gente doente como Fredric Wertham, que sozinho quase destruiu a indústria de quadrinhos, ao associar quadrinhos com delinquência juvenil, entrevistando exclusivamente jovens delinquentes e perguntando se eles liam gibis. Hoje vemos uma nova ameaça, vinda de onde menos se espera: Os próprios leitores. 

Mesmo que a maioria dos autores negue, leitores influenciam sim as obras. A Rede Globo por décadas afina o texto de suas novelas com base em pesquisas de opinião, e crianças, os fãs de novela levam seu entretenimento a sério, vide os casos de atores apanhando na rua.

Ironicamente, o mesmo espectador que bate no vilão na rua, sabe que ele é um personagem de ficção, e reclama quando o autor sai da linha. Em um caso clássico alguns anos atrás a Globo foi inundada por ligações de fãs reclamando que o vilão estava tratando muito mal sua secretária.

Uma explicação bem provável é que quando o vilão humilha a secretária ele está atingindo alguém socialmente bem mais próximo do espectador médio, já quando ele trama contra outro milionário, tudo bem, eles que são brancos que se entendam. Mesmo assim o público noveleiro não quer que o vilão seja bonzinho ou inofensivo, eles têm regras de vilania, e nisso estão anos-luz adiante da maior praga que já atingiu a dramaturgia: O Jovem Adulto. Explicando: O público de jovens adultos antigamente era composto de leitores de Júlio Verne, Monteiro Lobato, JD Salinger. Eram adolescentes descobrindo o mundo, confusos mas dispostos a explorar o desconhecido, bater cabeça, errar, aprender com os erros, lamber as feridas e seguir adiante.

Dexter é herói? É vilão?

Thor foi transformado em um médico aleijado para aprender humildade. Na fantasia escapista distópica de Admirável Mundo Novo, o Selvagem era extremamente egoísta, ao se posicionar como o Correto e todo o resto da Sociedade, automaticamente errados. Nós aprendemos a lidar com nuance, aprendemos que heróis bem-intencionados podem falhar, e que gente não   exatamente perfeita pode salvar o dia. Pombas, quantos filmes com presidiários com alguma habilidade especial e que no final se sacrificaram pela missão foram feitos?

Já as meninas sonham em acordar com uma carta, um mensageiro dizendo que elas são princesas de um reino distante, igualmente especiais, mas mesmo quando isso não acontece, os espectadores aprendiam a achar partes dos personagens com que se identificar. Identificação não é espelho, você pode se enxergar em qualquer personagem, você pode perfeitamente admirar as qualidades sem se associar com os defeitos. Com um mínimo de maturidade literária dá pra entender que protagonista não é sinônimo de herói, mas hoje em dia essa distinção está desaparecendo.

Os chamados “jovens adultos” são uma geração livre de nuance, eles não entendem mais metáforas, vide o caso da Professora Hannah Berliner Fischthal. Com 20 anos de casa, ela estava dando um curso na Universidade sobre Sátira e Literatura.

Durante uma aula ela usou um livro de Mark Twain que era uma alegoria abolicionista ridicularizando a instituição da escravidão. A professora explicou que os termos usados por Twain eram expressões coloquiais da época e deveriam ser entendidos dentro do contexto.  Obviamente assim que ela leu um trecho com a palavra “nigger” os floquinhos deram piti, abriram queixa na Direção e a professora acabou demitida. Em Harry Potter, antes mesmo da Lacrosfera determinar que JK Rowling era o anticristo, já havia gente criticando Snape por perseguir Harry Potter, Hermione por se envolver mais com os rapazes do que com as outras meninas, e a sociedade como um todo por permitir que os elfos domésticos fossem escravizados, mas essa a Rowling tem culpa no cartório mesmo.

Em busca de novas obras e mais validação, o mercado começou a inundar as livrarias com histórias mais simples, menos controversas e com protagonistas de mais fácil digestão. A chamada literatura para Jovens Adultos traz zero conflito interior. As personagens são perfeitinhas, um bando de Rey Skywalkers sem defeito ou dúvidas. Para a turma sem nuance, é ótimo. Você consulta uma ficha, descobre se a protagonista preenche seus critérios de cor, raça, gênero e doenças mentais listadas no CID, decide que se identifica com ela e ganha um avatar à prova de dúvidas ou inseguranças. O Jovem Adulto não entende o conceito de amar um personagem malvado. Não sabem o que foi odiar Darth Vader por três filmes até sua redenção final. E olha que nem é preciso. Adultos conseguem gostar de vilões sem adotar suas ideologias. Sim, um dos mais básicos recursos dramáticos, o triângulo amoroso. Agora é problemático. Como fica a história se a gente tira isso? O que sobra?

Os jovens compram os livros esperando personagens puras inteligentes bonitas agradáveis atléticas poderosas e determinadas. Querem um protagonista absolutamente perfeito para então se identificarem com ele.

Esse desespero vai acabar em censura, em versões sanitizadas de obras clássicas, criadas para não ofender os frágeis olhos e sensibilidades dos Jovens Adultos. Teremos versões de tragédias com finais felizes e terríveis vilões respeitando vagas para deficientes, e se você acha que estou exagerando, gostaria de lembrar que a Marvel já colocou o Galactus, uma Entidade anterior ao Big Bang, um dos maiores poderes do Universo, quase pedindo desculpas à Garota-Esquilo por não respeitar pronomes de gênero.

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