Título brilhante para um tema escrito com o mesmo brilhantismo porque abordado com muita sensibilidade. Catarina Gomes é assim que escreve. Leiam, se não o fizeram já "Coisas de Loucos" (opinião aqui) porque se reconhece no tratamento do tema aí tratado, o mesmo cuidado com o intuito de não ferir susceptibilidades. Nesta obra, e porque se trata de entrevistas a pessoas de muita idade e com um caminho de vida duro a quem o não saber ler impactou sobremaneira, o cuidado e o respeito mostrava-se necessário. Gosto particularmente quando a autorase coloca na narrativa, explicando as dificuldades sentidas na abordadem ao fazer as entrevistas sem, mesmo assim, se colocar num lugar de destaque. A informação brota porque se sentem bem. Um périplo por tempos em que não saber ler era uma coisa aceitável à qual nem todos tinham acesso.Gostei muitíssimo e recomendo!"Não saber ler é a vida não ser só nossa, guardada em nós, não a darmos a conhecer se não tivermos vontade. Não conseguir ler é ter de partilha mesmo que não se queira. Resta à pessoa, ao menos, escolher quem nos lê a vida." pag 82 - referência feita aos leitores amáveis que lêem cartas/ documentos a todos os que não sabem ler. Casteleiro, no distrito da Guarda, é uma das freguesias nacionais com maior taxa de analfabetismo. Este livro o quotidiano de habitantes desta aldeia que não tiveram oportunidade de aprender a ler e a escrever. É o caso de Horácio: sabe como se chama uma das letras do alfabeto, até é capaz de as escrever uma a uma, mas, na sua cabeça, elas estão como que desligadas; quando recebe uma carta tem de «ir à Beatriz», funcionária do posto dos correios e juntadora de letras. Na sua ronda, o carteiro Rui nunca se pode esquecer da almofada de tinta, para os que só conseguem «assinar» com o indicador direito. Em Portugal, onde, em 2021, persistiam 3,1% de analfabetos, estas histórias são quase arqueologia social, testemunhos de um mundo prestes a desaparecer.
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