Afinal, o futebol
brasileiro é algo parecido com aquele surrado clichê marxista, o “ópio do
povo”, ou sua expressão cultural mais refinada? As duas coisas, claro. Se
eliminarmos uma delas, ficará incompleto o país de Deyvid Arnaldo da Silva, 11
anos, nascido e criado em Itaquera, bairro da Zona Leste de São Paulo onde,
numa corrida contra o relógio, está sendo construído o estádio em que Brasil e
Croácia farão a partida de abertura da Copa. Caçula e único homem entre os
quatro filhos de Josinaldo, um asfaltador pernambucano, e da faxineira Rosilda,
Deyvid planeja redimir os sonhos futebolísticos frustrados do pai e virar
jogador profissional. Para tanto, magrelo e mirrado, joga num campo de terra
batida da Rua Professor Leonidio Alegreti, nas cercanias do Itaquerão, o
estádio inacabado no qual a queda de um guindaste, em novembro, matou dois
operários e arrebentou o cronograma da obra. Deyvid é pobre — quem paga a
mensalidade da escolinha que ele frequenta é um tio —, mas sonha alto. Mesmo
sem dinheiro para o ingresso, imagina que possa “dar um jeito de entrar no
estádio” para ver seus ídolos de perto. Isso ainda é pouco. “Quero ser igual ao
Messi, o melhor do mundo”, anuncia. Tudo muito improvável. Mas só quem não
conhece o Brasil diria que é impossível.
A ESCOLA BRASILEIRA
Arthur Friedenreich, El Tigre;Leônidas da Silva, o Diamante Negro; Pelé, o Rei; Ronaldo, o Fenômeno; e o noviço Neymar, a maior esperança brasileira em 2014, ainda à espera de uma alcunha definitiva em substituição à depreciativa Filé de Borboleta que o técnico Vanderlei Luxemburgo tentou lhe pespegar.
Arthur Friedenreich, El Tigre;Leônidas da Silva, o Diamante Negro; Pelé, o Rei; Ronaldo, o Fenômeno; e o noviço Neymar, a maior esperança brasileira em 2014, ainda à espera de uma alcunha definitiva em substituição à depreciativa Filé de Borboleta que o técnico Vanderlei Luxemburgo tentou lhe pespegar.
Goste-se ou não, é
essa complicada equação que dominará 2014. Descartar como mentirosa ou
irrelevante qualquer das duas imagens do país — tanto a que a paixão esportiva
exalta quanto a que a consciência cívica revela — seria desperdiçar uma
oportunidade histórica. Não se viu o quadro completo na exortação que o
publicitário Nizan Guanaes, da agência Africa, publicou na imprensa por ocasião
do sorteio dos grupos da Copa, na primeira semana de dezembro: “Agora, danem-se
o aeroporto, o motorista que não fala inglês, dane-se tudo. Agora, o que vai
imperar é a paixão pelo futebol, e, como sabemos, o amor é cego”. Como se os
aeroportos brasileiros precisassem de um empurrãozinho para se danar. Pela
mesma razão, o escritor e jornalista inglês John Carlin pareceu ingênuo ao
declarar sua incompreensão sobre a dinâmica da insatisfação social brasileira
no recente artigo que escreveu para VEJA. “Como isso pode acontecer?”,
espantou-se, acrescentando que, em sua opinião, “não pode haver lugar mais
adequado para celebrar a maior festa de futebol do mundo”. O ex-craque francês
Michel Platini, presidente da Uefa, entidade que controla o futebol europeu,
reforçou o coro contra possíveis manifestações contrárias à Copa ao fazer em
entrevista à Folha de S.Paulo uma ameaça em que ninguém
acreditou: “Se eu tiver de assistir aos jogos ladeado por seguranças, por
militares, não virei ao Brasil”.
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